Por: Celso Calheiros
Petrolina (PE) - Embora a Caatinga seja um bioma pouco estudado,a pressão sobre a sua cobertura vegetal é real. Dados do Ministério do Meio Ambiente monstram que o ritmo da devastação é crescente. Como preservar essa mata que é a cara do Brasil? O Centro de Referência para Recuperação de áreas Degradadas (Crad) da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina , sertão de Pernambuco, está em busca de uma resposta científica a essa pergunta.
O plano do coordenador do centro, José Alves de Siqueira, revela as etapas que sua equipe busca cumprir. “Precisamos conhecer as plantas (saber como a Caatinga é formada), resgatar essas espécies (coletar sementes, guardá-las e produzir mudas) e descobrir como recuperar o bioma”, explica. O nível do conhecimento a ser adquirido é totalmente diferente do que existe acumulado hoje sobre a Mata Atlântica – já bastante estudado pela academia.
São várias as frentes de trabalho no Centro. Há, por exemplo, uma coleção de espécies vivas no Crad da Univasf e no laboratório de sementes (LAS). São 3 milhões de sementes mantidas em uma câmara fria a 7°C. A baixa temperatura reduz o metabolismo delas e assim, as mantém por mais tempo, explica o professor Marcos Meiado, especialista responsável pelo LAS. As cerca de 150 espécies da coleção são todas comuns às áreas onde ocorrem as obras da transposição do rio São Francisco.
A escolha das espécies nas áreas degradadas pela obra de transposição é parte de um dos principais projetos do Crad da Univasf. O centro é responsável pelo projeto básico ambiental (PBA) exigido pelo Ibama para a licença de instalação. São áreas desmatadas, devastadas pela obra que ao final terá mais de 650 quilômetros, somados os dois canais cimentados, aquedutos, túneis, estações de bombeamento e reservatórios nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
No LAS, a mesma espécie de semente é guardada em sacos plásticos, em bombonas plásticas e em envelopes de papel. A cada três meses, algumas amostras são testadas para se verificar qual o melhor meio para mantê-las por mais tempo. Antes de serem armazenadas, as sementes são identificadas e são anotados os dados do local de coleta georreferenciado e suas características físicas, como peso, teor de umidade, tipo, coloração.
As sementes também servem para novos estudos sobre germinação, qual a melhor forma de induzir a brota e que espécies precisam de outros agentes: como o clima, insetos, aves, animais ou mesmo uma ação antrópica. Algumas descobertas são feitas. Por exemplo, Fabricio Santos da Silva, um dos professores do LAS, conta que eles ainda não conseguiram tirar da dormência a semente da umburana de cambão, árvore tradicional do semiárido, procurada por abelhas para instalar suas colmeias e conhecida pelo uso (hoje proibido) de santeiros e escultores de carrancas. “Com a umburana, nós conseguimos sua reprodução através de mudas”, conta Francisco.
Depois das sementes, começa a atenção às mudas da Caatinga. O coordenador do Crad, José Alves conta, por exemplo, que teve de procurar tubetes mais adequados para produção de mudas de algumas espécies que desenvolvem raízes profundas (pela necessidade de procurarem água).
O coordenador adjunto do centro, Eliezer Santurbano Gervásio, dedica-se à produção de mudas e também teve de inovar para melhor aproveitar os recursos. O substrato clássico na produção de muda é o pó de pinus, vendido comercialmente na região Sudeste. Eliezer, no entanto, teve uma ideia econômica e resolveu testar o pó da casca verde do coco. “Se mostrou um substrato muito bom, que gera como subprodutos a fibra longa e a fibra curta do coco – úteis para cobrir o solo e reduzir a perda de umidade”, explica. Em seus experimentos com as mudas, Eliezer também desenvolveu um novo sistema de irrigação que torna o viveiro, com cerca de 100 mil mudas, mais eficiente.
Depois do centro instalado, sementes coletadas e estudadas, produção de mudas em atividade, é necessário o trabalho de campo para a recuperação das áreas degradadas. A professora Fabiana Basso trata dos modelos a serem colocados em prática, como a distância que deve ser mantida entre as mudas, quais as mudas adequadas para cada região e qual o comportamento das áreas que estão tendo sua mata de volta. “Fazemos medições todos os meses e estamos desenvolvendo os modelos”.
Conhecendo a Caatinga
“Há muito a se conhecer sobre a Caatinga”, comenta Renato Garcia, professor na equipe do Crad. Com formação no Paraná, Renato compara o conhecimento adquirido com a Mata Atlântica e com a Caatinga. “Na Mata Atlântica já se sabe quase tudo: quais são as primeiras espécies, como são dispersadas determinadas sementes e vários outros detalhes. Na Caatinga, temos que começar do zero”.
A tecnologia ajuda nessa missão. O centro possui um Laboratório de Geoprocessamento que é constantemente alimentado com novos dados. Os mapas produzidos pelo laboratório podem indicar o tipo de solo, proximidade de fontes de água, nível de precipitação histórico, incidência de sol, altitude dentre outros dados. Essas informações são cruzadas com os hábitos catalogados das espécies mais comuns e em que áreas elas foram coletadas. Com essa combinação de informações, eles são capazes de mapear os locais com melhores chances de ser encontrar determinada espécie. Ou quais são as mais indicadas para recompor uma mata num ponto definido. “Se um prefeito ligar dizendo que quer replantar uma área, por exemplo, posso enviar as mudas adequadas para a região dele”, explica José Alves.
Devido à extensa atividade em campo, José Alves tratou de incumbir aos alunos e professores, a missão de coletar plantas para o herbário instalado. Mais de 9 mil espécies já estão devidamente catalogadas — muitas em duplicata, para a rotina comum aos herbários ativos, que é a constante troca de informações com instituições similares. “Queremos nosso herbário como uma referência das plantas existente nos biomas encontrados na bacia do rio São Francisco”, resume José Alves.
Como indicador de sua atividade, o herbário possui duas espécies que estão em fase de descrição e podem se tornar as duas primeiras contribuições para a ciência. Uma é da família das samambaias e outra uma araliácea. “Os tucanos adoram os frutos dessa espécie”, comenta José Alves.
O centro também possui uma xiloteca, que são amostras de árvores retiradas da natureza por causa da obra de transposição do rio São Francisco. Os exemplares são guardados com diferentes cortes e é possível se obter informações morfológicas, os desenhos do interior do tronco e a formação da casca. A sala da xiloteca é próxima a entrada do Crad. Ao receber estudantes em dia de educação ambiental, José Alves gosta de apresentá-los à coleção com uma pergunta: “Quem já viu mil anos de uma vez só?”.
Fonte:
http://www.oeco.com.br/reportagens/25084-o-desafio-de-preservar-e-recuperar-a-caatinga
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