domingo, 29 de abril de 2012
Povos dos sambaquis na Mata Atlântica
Germano Woehl Junior
Quando os portugueses pisaram
aqui pela primeira vez, em 1500, não imaginavam que aquele cenário paradisíaco
em sua volta, a exuberante mata atlântica, já teria levado ao colapso uma
civilização inteira cerca de três mil anos antes. Trata-se dos povos dos sambaquis,
que apresentavam características mongólicas, isto é, face larga, nariz achatado
e olhos puxados e habitaram nosso litoral entre 3 mil e 5 mil anos atrás, de
acordo com os estudos dos fósseis encontrados.
Os sambaquis nada mais são do que
montes de conchas de ostras, uma espécie de "lixão", deixados por
estes nossos irmãos brasileiros da pré-história e concentram-se principalmente
no litoral de São Paulo até Santa Catarina. Além das conchas de ostras, são
encontrados também objetos fabricados, cascas de siris e caranguejos, muitos
esqueletos de animais e de humanos, revelando que os povos dos sambaquis
costumavam enterrar seus mortos nestes locais. Apesar da importância científica
dos sambaquis ser reconhecida desde 1845, sua destruição foi quase total - e,
lamentavelmente, continua até os dias atuais. Essas montanhas de conchas eram
utilizadas para fabricação de cal, atividade que foi proibida em São Paulo em
1952 e no restante do País, em 1961.
Da mesma forma que o lixão de uma
cidade revela o nível cultural e os hábitos das pessoas, os sambaquis nos
fornecem muitas informações sobre a cultura, religião, hábitos alimentares,
"tecnologia" etc. desses habitantes de nossa pré-história.
Descobriu-se, por exemplo, que eles usavam fragmentos de ossos para fabricarem
pontas de flecha e anzóis e que já dispunham também de "tecnologia"
para captura de peixes e animais grandes, pois nos sambaquis são comuns os
esqueletos de cações e golfinhos.
Os sambaquis apresentam
particularidade comum em suas estruturas: na base encontram-se conchas de
ostras bem grandes e o tamanho delas vai diminuindo à medida que a altura do
monte aumenta; nas camadas superiores, estão depositados outros tipos de
conchas de organismos não muito apetitosos e uma maior quantidade de restos de
peixes, caranguejos do mangue etc. Métodos científicos de datação revelam que,
em média, o monte de conchas levava 40 anos para ser formado e que muitos anos
depois alguns sambaquis passavam a receber novamente o depósito de conchas de
ostras grandes no topo, mas só numa pequena quantidade e num período bem curto.
Nossos irmãos brasileiros
da pré-história não figuraram entre os povos mais avançados da Terra daquele
período, contudo eles nos deixaram mensagem muito importante, um alerta, que
todos nós deveríamos levar a sério: os recursos naturais da mata atlântica são
limitados. As evidências científicas demonstram que para sobreviver como
simples coletores os povos dos sambaquis aniquilavam quase todas as formas de
vida de uma região (desde ostras até peixes, aves e mamíferos, mas comiam
também frutas e raízes). Depois, partiam para outra região, devoravam tudo e
assim por diante. Ou seja, eles iam esgotando os recursos naturais nas regiões
por onde passavam e não se davam ao luxo de rejeitar nem saracuras e garças,
pois ossos dessas aves são comuns de serem encontrados nos "lixões"
deles. Esses brasileiros, habitantes da mata atlântica, viveram assim por quase
2 mil anos, para então a civilização deles entrar em colapso e ser extinta.
O modo de vida do homem dos
sambaquis é o que mais se aproxima da interpretação que fazem por aí do
conceito de "uso sustentável dos recursos naturais", e não deu certo,
embora a sociedade deles tenha durado, pelo menos, dois mil anos. E nossa
sociedade, atual ocupante da mata atlântica, quanto tempo durará? Temos hábitos
de consumo devastadores, que geram toneladas de lixo todos os dias, poluem os
rios e o solo com produtos tóxicos e consomem recursos naturais numa escala
assustadora, um modo de vida muito, muito longe, portanto, de ser sustentável.
Além disso, nossa população atinge números alarmantes, passamos dos 180 milhões
(a dos povos dos sambaquis nunca chegou a ser muito numerosa, segundo os
especialistas), o que aumenta ainda mais os desafios para alcançamos a tão
necessária sustentabilidade.
Já arrasamos a mata
atlântica: em apenas 40 anos desmatamos mais do que se desmatou na Europa em 2
mil anos. Em nenhum momento da história da humanidade se desmatou tanto como no
Brasil nestes últimos anos. A ciência consegue prever as conseqüências trágicas
dessa insanidade: além da brutal perda de biodiversidade estamos arruinando
nossos recursos hídricos, tão estratégicos para o desenvolvimento das cidades,
com um mínimo de qualidade de vida.
Restam apenas vestígios da
mata atlântica. É inadmissível que medidas efetivas para tentar salvar estas
últimas áreas, como a criação de unidades de conservação (parques nacionais,
por exemplo), sofram tanta resistência por parte dos degradadores. Usam
argumentos de que isso vai travar o desenvolvimento, como se a destruição, por
exemplo, do que sobrou da majestosa floresta de araucárias, zero vírgula alguma
coisa por cento da floresta original, seja imprescindível para resolver os
problemas econômicos do País.
Vale a pena conhecer o
Museu do Sambaqui em Joinville e também visitar algum dos casqueiros que
milagrosamente escaparam da destruição - tanto em Joinville como no litoral
paulista há ainda muitos deles -, para contemplá-los e fazer profunda reflexão
sobre nossa relação com outras formas de vida com as quais devemos compartilhar
o meio ambiente.
Germano Woehl Junior, do
Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade
Acompanhe nosso trabalho de Educação Ambiental nas escolas
públicas para salvar a MATA ATLÂNTICA
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