sábado, 2 de janeiro de 2016
Tragédias como Mariana deviam ensinar
Por Paulo Barreto, 17 dezembro
2015
Imagem do satélite Landsat-8 próximos à barragem e sobre o distrito de Bento Rodrigues em Mariana disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial.
O rompimento de barragens com
resíduos de mineração está deixando um rastro de destruição por centenas de
quilômetros do Rio Doce e no seu estuário. O rastro laranja atinge um rio que
já agonizava por dezenas de anos de maus tratos. Tragédias como essa deveriam
servir para melhorar a prevenção e a punição de crimes ambientais.
Vamos ver lições dos Estados
Unidos segundo o livro de Richard Lazarus, professor de direito
ambiental na Universidade Harvard. Em 1969, logo que o Presidente Richard Nixon
tomou posse ocorreu um vazamento de óleo na Califórnia e um rio (Cuyahoga) em
Ohio pegou fogo de tanta poluição acumulada. Nixon, do partido republicano
que geralmente evita a regulação, propôs legislação ambiental para evitar que
os democratas ganhassem o mérito por iniciativas ambientais. Nos meses e anos
seguintes, o presidente e o Congresso aprovaram leis de proteção do ar e da
água, incluindo o licenciamento ambiental, e as instituições executoras, como a
Agencia de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA).
Nas décadas seguintes a aplicação
das leis ajudou a reduzir drasticamente a poluição. Mas, não foi fácil.
Políticos e lobistas empresariais tentaram enfraquecer a lei e os órgãos
ambientais. Nixon tentou reverter parte das leis que ele mesmo promoveu ao
considerar que não teriam resultado nos ganhos eleitorais que imaginava. O
Congresso não deixou. O Presidente republicano Ronald Reagan também tentou
enfraquecer as leis. Mas um senador do mesmo partido de Reagan, que era maioria
no senado, se juntou aos democratas e bloqueou as medidas do presidente. Quando
o presidente indicou gestores do EPA com o objetivo de bloquear a aplicação das
leis, o Congresso constrangeu os administradores do EPA por meio de audiências
públicas para que eles aplicassem as leis. Em outros momentos, o Congresso também
tentou enfraquecer a lei. O Presidente Bill Clinton resistiu.
As ONGs pressionaram por
melhorias. Por exemplo, usando as regras de transparência pública, A National
Wildlife Federation publicou em 1989 a primeira lista das 500 empresas mais
poluidoras do país (The Toxic 500). A sociedade civil demandou intervenção
judicial em muitos casos. A Justiça Federal sentenciou contra as empresas e
órgãos ambientais. Criminosos ambientais foram presos. Sem a possibilidade de
prisão, os empresários incorporariam as multas aos custos de fazer o negócio e
continuariam a poluir.
"A presidente Dilma deixaria
sua marca positiva se também nomeasse uma comissão independente para aprender
as lições do rompimento da empresa Samarco e promovesse as mudanças
necessárias. "
A tragédia em Mariana está sendo
seguida de algumas medidas punitivas. Os Ministérios Públicos de Minas e
Federal cobraram preliminarmente R$ 1 bilhão da empresa para custear ações
emergenciais. O governo federal multou a empresa em R$ 250 milhões e prometeu
ajuizar ações de reparação de R$ 20 bilhões. Embora estas ações sejam
essenciais, são insuficientes para assegurar que a gestão ambiental melhorará.
O histórico recente mostra que o poder público tende a enfraquecer as leis
ambientais quando elas “pegam”.
Na última década algumas leis
ambientais começaram a ”pegar” por causa de pressões da sociedade civil, da
independência do Ministério Público, da renovação de pessoal do Ibama e de
eventuais líderes comprometidos no poder executivo. Por exemplo, a combinação
destas forças ajudou na redução do desmatamento em cerca de 85% entre 2004 e
2012. Porém, o poder público e lobistas se uniram para enfraquecer as leis e os
órgãos ambientais. Em 2012, o Congresso e Executivo anistiaram parte do
desmatamento ilegal mudando o Código Florestal e reduziram Unidades de
Conservação.
Pior , eles ainda querem mais. O
Congresso está tentando dificultar a demarcação de Terras Indígenas. Enquanto
ainda existem corpos desaparecidos da tragédia em Mariana, a Comissão Especial
do Desenvolvimento Nacional aprovou o projeto de lei 654/2015, do senador
Romero Jucá (PMDB-RR), que facilita o licenciamento de obras de infraestrutura
nos sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; portos; energia;
telecomunicações. Se aprovado pelo plenário e sancionado pela Presidente, o
órgão ambiental terá 60 dias para avaliar os estudos ambientais e solicitar
esclarecimentos. Depois disso, terá mais 60 dias para decidir. Se o órgão
ambiental não conseguir avaliar o projeto neste período, o licenciamento será
considerado aprovado. Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou em
regime de urgência projeto do governador que impõe prazos para o licenciamento
ambiental. Avaliar rapidamente projetos complexos com pouco pessoal é missão
impossível para os órgãos ambientais.
Neste contexto, as ideias e
pressão para mudar terão de vir de fora. A experiência americana mostra que
promotores, judiciário, a sociedade civil e a imprensa foram essenciais. Além
de fazer cumprir as leis existentes, temos que aprender com as tragédias.
Nos EUA, depois do vazamento de óleo no golfo do México em 2010, o Presidente
Obama nomeou uma comissão independente para avaliar o caso. Um advogado e
químico, professor de Harvard, dirigiu o trabalho que apresentou
lições valiosas. A presidente Dilma deixaria sua marca positiva se também
nomeasse uma comissão independente para aprender as lições do rompimento da
empresa Samarco e promovesse as mudanças necessárias. Sem aprender, vamos
continuar apenas chorando pelas vítimas e lamentando as perdas ambientais e
econômicas.
Paulo Barreto
Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne
realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon e mestre em Ciências
Florestais pela Universidade Yale (EUA).
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/tragedias-que-ensinam/
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