Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
sábado, 2 de janeiro de 2016
Onde estão as “medidas inovadoras” do pior desastre ambiental do Brasil?
Por Guilherme José Purvin de Figueiredo em 17 dezembro 2015
Foto: Rogério Alves/TV Senado
Quando a barragem de Fundão ruiu,
além de prejuízos materiais e morais (psicológicos, socioculturais) à
população, causou danos ambientais gravíssimos, a ponto de levar a Ministra do
Meio Ambiente, Sra. Izabella Teixeira, a declarar:
"O desastre é enorme, é uma
catástrofe, o pior desastre ambiental do país, e temos de tomar medidas
inovadoras para resolver. A gente sabe que a parte de peixes, a fauna intocada,
répteis, isso foi perdido ".
O Direito Ambiental brasileiro
foi por muito tempo um dos mais avançados do mundo. Seu primeiro grande marco
foi a Lei 6.938/81 que, no seu art. 14, § 1º, introduziu a regra da responsabilidade
civil objetiva em matéria ambiental: para efeitos de reparação
civil (patrimonial), não importa se a Samarco agiu com negligência,
imperícia ou imprudência, basta que esteja demonstrado o elo de causalidade
(rompimento da barragem / desastre ambiental).
Outro marco histórico do Direito
Ambiental foi a criação da ação civil pública pela Lei 7.347/85, que
permitiu a defesa em juízo dos chamados direitos difusos (que pertencem a uma
coletividade indeterminada de pessoas, como o direito à água potável, o direito
à saúde, o direito à preservação das tradições culturais de uma cidade).
Com a Lei 7.347/85, diversas
instituições passaram a poder defender esses direitos da coletividade:
Ministério Público, autarquias como o IBAMA, a Advocacia Geral da União, as
Procuradorias Gerais dos Estados, as associações especialmente criadas para a
defesa de tais direitos e, mais recentemente, também a Defensoria Pública.
É importante que haja um grande
número de instituições legitimadas para propor a ação civil pública,
principalmente quando a vítima do dano ambiental é uma população economicamente
carente e indefesa, que depende vitalmente da empresa poluidora para assegurar
seu sustento. Num caso como o de Mariana, deixar que a população cuidasse da
defesa de seus direitos seria retroceder à barbárie. Os atingidos pela barragem
da Samarco tiveram direitos humanos violados – e esta questão é investigada
pela ONU, que desde o dia 07 de dezembro está no Brasil, em visita para
averiguação não só do que ocorreu ali, mas também em Belo Monte, no Pará, na
operação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e nas obras de
infraestrutura para as Olimpíadas.
Assim, graças à legislação
vigente, é possível tomar medidas legais imediatas: no plano administrativo,
aplicação de multas, interdição de atividades, apuração de responsabilidades
funcionais; no plano pré-processual, instauração inquéritos civis, lavratura de
termos de ajustamento de conduta; no plano processual, ajuizamento de ações
cautelares e principais pelo Ministério Público (Federal, do Estado e do
Trabalho), pela Defensoria Pública e por outros co-legitimados da Lei 7.347/85.
Não há necessidade de adoção de
medidas inovadoras, salvo se aplicar a lei vigente merecer esse qualificativo.
As notícias que chegam de Minas
Gerais, contudo, são acintosas. De acordo com notícia veiculada pelo site do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma senhora de quase setenta anos,
exercendo o seu direito de ver ao menos em parte ressarcidos os prejuízos
sofridos pelo rompimento da barragem, pediu que fosse reposta sua máquina de
lavar (!). Transcrevo esta passagem da notícia:
“Para a surpresa da senhora de 69 anos, ao
fazer o pedido, uma assistente social exigiu que ela provasse que tinha
realmente necessidade. “Ela me pediu que eu apresentasse um laudo médico que
provasse que eu não tenho força para torcer a roupa. Eu tenho osteoporose, tomo
vários remédios”, conta surpresa a idosa. Quando foi levar o marido em um
neurologista na cidade de Ponte Nova, aproveitou e pediu o médico para fazer o
laudo. Mas ele, igualmente surpreso, disse que não poderia fazer porque não era
a sua área. Dona Cenita, então, foi em um posto de saúde de Barra Longa e pediu
um laudo para uma médica clínica geral que acabou dando um relatório simples
que foi entregue à assistente social.”
Vai daí a enorme relevância da
atuação da Defensoria Pública, quando não para restituir imediatamente a tantas
outras “Donas Cenitas” o que perderam, ao menos para evitar tais episódios de
humilhação e afronta à dignidade humana como o relatado, pena de ajuizamento de
ação por danos morais.
Porém, o acinte dessas
megaempresas parece não ter fim.
De um lado, os jornais noticiam
que a Vale se recusa a reconhecer sua co-responsabilidade pelo acidente, mesmo
sendo sua acionista e, no plano fático, tendo utilizado da barragem para
deposição de resíduos de mineração que ela mesma produziu.
Quanto à BHP, de quem (talvez
ingenuamente) se esperava uma atitude socioambientalmente menos desprezível,
depois de oscilação negativa no mercado de ações na Austrália, rapidamente se
recuperou, numa demonstração de tranquilidade dos investidores, que já
consideram assegurada sua incolumidade patrimonial num país como o nosso.
A filha espúria das duas
gigantes, Samarco, em ofício enviado no dia 9/12, formalizou sua recusa em
assinar termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público. Por esse
motivo, o MP decidiu propor ação civil pública em face das três empresas,
Samarco e suas controladoras, esclarecendo que “... a Vale é
solidariamente responsável pelos eventos, pois há provas de que a empresa usava
a barragem de Fundão para depositar rejeitos da mina do complexo de Alegria,
conforme depoimentos prestados por engenheiros da própria Samarco, comprovado
ainda por um laudo do Departamento Nacional de Produção Mineral. Por sua vez, a
BHP Billiton lucrou com o uso indevido da barragem, tornando-se corresponsável
nos termos da chamada 'teoria do risco-proveito’”.
As três empresas permanecem
prepotentemente impassíveis. Confiam em seu poderio econômico de convencimento.
Sabem que Minas Gerais depende do setor da mineração para sustentar-se
economicamente. Conhecem a “política de aceleração do crescimento” do Governo
Federal e sorriem autoconfiantes, na certeza de que, mesmo em face da maior
tragédia ambiental da história da América Latina, ainda emplacarão com seu novo
Código de Mineração, cujo relator, por sinal, é o Deputado Federal Leonardo
Quintão, líder do PMDB na Câmara, nome de confiança do vice-presidente Michel
Temer, que admite sem pejo ser financiado pelas mineradoras.
Por esse motivo, não causa
espanto a declaração da Sra. Marilene Ramos, Presidenta do IBAMA, no mesmo dia
9/12, em que a Samarco comunicou sua recusa em assinar o termo de ajustamento
de conduta com o MPMG, de que o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana,
não deve levar a um “retrocesso da legislação”. A comandante da autarquia, que
teria o dever de zelar pela observância do art. 170, VI, da Constituição
Federal, afirma ao setor empresarial: “Num prazo bem longo, não sei precisar se
em 20 anos ou antes, vejo o licenciamento ambiental embasado no
autolicenciamento, onde não vou precisar mobilizar centenas de técnicos”.
Acredita ela que estará ainda no
mesmo cargo daqui a 20 anos? Seria o “autolicenciamento”, esse delírio
ultraliberal que causou a morte de ao menos treze pessoas, além de toda a fauna
do Rio Doce, a medida inovadora a que a Ministra Izabella Teixeira se referia?
De minha parte, espero que nos
próximos 20 anos consigamos ao menos resistir para evitar que essa campanha de
retrocesso na legislação de defesa dos direitos humanos, do direito à saúde e
ao meio ambiente seja estancada e que prevaleçam princípios e instrumentos como
o da responsabilidade civil objetiva, da autoexecutoriedade dos atos
administrativos voltados à proteção da vida, da saúde e do meio ambiente, da
responsabilidade do poluidor indireto, da ação civil pública, da
desconsideração da personalidade jurídica, da recomposição integral dos danos.
Medida inovadora e muito
bem-vinda, no atual estado de coisas, será levar a sério a Constituição Federal
e permitir que nossas instituições como o Ministério Público, Defensoria
Pública e órgãos administrativos criados para a defesa do meio ambiente
apliquem a legislação em vigor. Medida inovadora será rediscutir, em audiências
públicas democráticas, com as populações atingidas e com órgãos de defesa dos
Direitos Humanos e do Meio Ambiente, projetos como o do novo Código de
Mineração.
Guilherme José Purvin de Figueiredo
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/onde-estao-as-medidas-inovadoras-do-pior-desastre-ambiental-do-brasil/
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