sábado, 2 de janeiro de 2016
Blocos Carnavalescos da Ilha se unem e formam a Liga União dos Blocos da Ilha do Governador
Por Teresinha Victorino
Um grupo de diretores de blocos carnavalescos da Ilha do Governador se uniu para formar a primeira liga carnavalesca do bairro.
Em 2010 a comissão organizadora do Bloco Carnavalesco Unidos da Ribeira criou um desfile de blocos para encerrar o carnaval da Ilha do Governador numa enorme confraternização onde todos os blocos são convidados a participarem trazendo suas bandeiras, ritmistas, intérpretes e foliões.
Essa confraternização já virou uma tradição e todo ano recebe diversos blocos da Ilha, de bairros vizinhos e até mesmo de outras cidades do estado do Rio de Janeiro. A multidão toma conta das ruas do bucólico bairro da Ribeira, no final de tarde do primeiro domingo após o carnaval.
O nome União dos Blocos foi escolhido por alusão a querida escola de samba do bairro, a União da Ilha do Governador.
A camaradagem e a união que existe entre os blocos é uma característica no carnaval do bairro. Os ritmistas, foliões e os diretores estão sempre presentes e prestigiando os eventos, os ensaios e os desfiles dos outros blocos, todos se conhecem e se ajudam.
O carnaval da Ilha do Governador nos últimos anos tem crescido e melhorado bastante não deixando nada a desejar a outros bairros, mesmo não tendo nenhum bloco famoso quanto os da zona sul e do centro da cidade. Entretanto os moradores da Ilha e dos bairros próximos se esbaldam em seus blocos que a cada ano tem tomado proporções gigantescas com milhares de foliões presentes, desafogando assim os blocos da zona sul e do centro.
Entretanto, no edital de carnaval 2016 da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, aberto em outubro, muitos blocos do bairro se inscreveram com projetos maravilhosos e todos ficaram de fora. O fato de nenhum bloco do bairro ter sido contemplado pela Secretária de Cultura fez com que um grupo de diretores de blocos repensasse sobre a criação de uma liga que os fortalecessem nessas situações.
Da ideia à prática foi apenas questão de horas. Num bate papo com amigos, foi criada a Liga União dos Blocos da Ilha do Governador, que foi uma maneira mais fácil que os blocos encontraram para se fortalecer e conquistar parcerias e apoios financeiros.
O desejo de receber dos órgãos responsáveis e dos patrocinadores um tratamento respeito e que os mesmos considerem o bairro tão importante quanto os outros do Rio de Janeiro foi o combustível para que todos os blocos se unissem e formassem a Liga União.
A Ilha do Governador proporciona aos seus moradores um carnaval seguro e descontraído. A presença de famílias inteiras desde os mais novos até os avós, que têm preferido curtir com segurança, próximo de casa e junto com seus amigos e vizinhos, faz do carnaval do bairro muito especial e característico. Os blocos tem mantido a organização e a harmonia mesmo com o número sempre crescente de foliões e a maioria deles "muito alegres" devido ao consumo de bebidas alcoólicas.
A Ilha do Governador abriga quase 400 mil moradores de todos os níveis sociais e econômicos. E os seus blocos, com as características próprias, fazem o seu carnaval ser considerado um dos melhores e talvez o mais seguro da cidade. Na Ilha do Governador não tem brigas, tiros ou roubos, aqui tem respeito, amizade e cumplicidade. Todos os blocos são amigos e se ajudam. Todos só querem se divertir. Isso é o carnaval da Ilha do Governador.
A Ilha do Governador já tem o melhor carnaval da zona norte. Amado por seus moradores que fazem com que o bairro seja um dos mais carnavalesco do Rio de Janeiro.
Integrantes do Bloco Unidos da Ribeira e Bloco do Rock
Diversas camisas no desfile da União dos Blocos 2015
Famílias inteiras curtindo o carnaval na Ilha do Governador
Todos unidos confraternizando no carnaval da Ilha do Governador
Presença das crianças nos blocos da Ilha do Governador
A então Rainha de Bateria da União da Ilha, Bruna Bruno e a musa do Bloco Unidos da Ribeira no desfile da União dos Blocos 2015
Efeito estufa, bronquite e pimentões envenenados
Por Guilherme José Purvin de
Figueiredo, outubro 2015.
Poluição urbana. Foto: Sergio Neves
As manchetes jornalísticas nos
últimos dias foram pródigas na temática ambiental.
A principal delas foi o discurso
de Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, no dia 28 de setembro.
Na ocasião, ela subiu ao palanque
para afirmar que “O Brasil está fazendo grande esforço para reduzir as emissões
de gases de efeito estufa, sem comprometer nosso desenvolvimento” e mais, que “Estamos
investindo na agricultura de baixo carbono”.
Com esse Congresso Nacional que
temos hoje, Kátia Abreu na toda poderosa pasta da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, o IBAMA administrativamente enfraquecido e o CONAMA hoje sem o
antigo dinamismo que o caracterizava no debate plural visando a proteção
ambiental, são poucos os que acreditam na sinceridade desse “grande esforço”
ambiental.
Proselitismo à parte, o que
importa é que a presidente do Brasil comprometeu o país a contribuir com a
redução das emissões de gases de efeito estufa, alcançando em 2030 o
equivalente a 43% do que emitiu em 2005.
De fato, a presidente falou em
meta absoluta de redução de gases de efeito estufa. Assim, sinalizou
positivamente para o mercado brasileiro: produção com baixa emissão de carbono
poderá ser promissora e gerar um círculo virtuoso de sustentabilidade
ambiental.
Ademais, o discurso de Dilma na
ONU gera efeitos positivos na agenda de Direito Internacional do Meio Ambiente,
levando outros países a assumirem compromissos mais ambiciosos e efetivos na
luta mundial contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Sintomaticamente, a Índia,
terceiro maior poluidor do mundo, país que tradicionalmente se mostra avesso a
assumir compromissos ambientais e que, na mesma Assembleia Geral, anunciou que
tenciona também fazer alguma coisa em prol do planeta: crescer sete vezes até
2030, mas “apenas” triplicar nesse período a emissão de carbono e outros gases
de efeito estufa.
Veneno no ar e na mesa
Internamente, as notícias são
menos alvissareiras.
Em 3 de outubro, reportagem de
primeira página da Folha de S. Paulo, de autoria de Marcelo Leite, dava conta
que o ar atmosférico nas regiões metropolitanas do Brasil está muito longe de
alcançar os níveis de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial de
Saúde. Destaque especial foi dado ao material particulado fino (MP 2,5): todos
os 27 aparelhos paulistas e fluminenses que monitoram esse poluente, afirma a
reportagem, “registram médias anuais acima desse padrão (10 microgramas por
metro cúbico)”. Consequência disto são doenças cardiorrespiratórias da mais
variada espécie, da bronquite ao ataque cardíaco.
E, no dia 4 de outubro, a mesma
Folha de S. Paulo denunciava em sua primeira página que não há no país
praticamente nenhuma fiscalização sobre a quantidade de agrotóxicos em nossos
alimentos. Numa análise por amostragem da Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), foi constatado que 31% dos alimentos continham
agrotóxicos proibidos ou em quantidade acima da permitida para os produtos. Os
mais venenosos são o pimentão (90%), o morango (80%) e a alface (60%). As
consequências dessa falta de fiscalização são: câncer, alteração no sistema
hormonal e imunológico, malformações congênitas, dificuldades respiratórias e,
na melhor das hipóteses, apenas irritação na pele. A matéria destaca ainda que
lavar bem os alimentos ajuda, mas não elimina todos os resquícios de
agrotóxicos.
Os recentes noticiários revelam
uma conscientização ambiental cada vez maior, fenômeno que se reflete na mídia
impressa, mas o poder público continua a usar levianamente expressões como
“desenvolvimento sustentável”, “biodiversidade” e “qualidade de vida”. O quadro
é de perplexidade. Fica difícil acreditar que o país possa estar preocupado com
o aquecimento global quando demonstra total descaso para com a saúde de sua
população. Por outro lado, somos forçados a admitir que a situação seria ainda
pior se, também no plano internacional, o Estado Brasileiro dedicasse o mesmo
desprezo à qualidade de vida que reserva aos seus súditos.
Guilherme José Purvin de Figueiredo
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/efeito-estufa-bronquite-e-pimentoes-envenenados/
Onde estão as “medidas inovadoras” do pior desastre ambiental do Brasil?
Por Guilherme José Purvin de Figueiredo em 17 dezembro 2015
Foto: Rogério Alves/TV Senado
Quando a barragem de Fundão ruiu,
além de prejuízos materiais e morais (psicológicos, socioculturais) à
população, causou danos ambientais gravíssimos, a ponto de levar a Ministra do
Meio Ambiente, Sra. Izabella Teixeira, a declarar:
"O desastre é enorme, é uma
catástrofe, o pior desastre ambiental do país, e temos de tomar medidas
inovadoras para resolver. A gente sabe que a parte de peixes, a fauna intocada,
répteis, isso foi perdido ".
O Direito Ambiental brasileiro
foi por muito tempo um dos mais avançados do mundo. Seu primeiro grande marco
foi a Lei 6.938/81 que, no seu art. 14, § 1º, introduziu a regra da responsabilidade
civil objetiva em matéria ambiental: para efeitos de reparação
civil (patrimonial), não importa se a Samarco agiu com negligência,
imperícia ou imprudência, basta que esteja demonstrado o elo de causalidade
(rompimento da barragem / desastre ambiental).
Outro marco histórico do Direito
Ambiental foi a criação da ação civil pública pela Lei 7.347/85, que
permitiu a defesa em juízo dos chamados direitos difusos (que pertencem a uma
coletividade indeterminada de pessoas, como o direito à água potável, o direito
à saúde, o direito à preservação das tradições culturais de uma cidade).
Com a Lei 7.347/85, diversas
instituições passaram a poder defender esses direitos da coletividade:
Ministério Público, autarquias como o IBAMA, a Advocacia Geral da União, as
Procuradorias Gerais dos Estados, as associações especialmente criadas para a
defesa de tais direitos e, mais recentemente, também a Defensoria Pública.
É importante que haja um grande
número de instituições legitimadas para propor a ação civil pública,
principalmente quando a vítima do dano ambiental é uma população economicamente
carente e indefesa, que depende vitalmente da empresa poluidora para assegurar
seu sustento. Num caso como o de Mariana, deixar que a população cuidasse da
defesa de seus direitos seria retroceder à barbárie. Os atingidos pela barragem
da Samarco tiveram direitos humanos violados – e esta questão é investigada
pela ONU, que desde o dia 07 de dezembro está no Brasil, em visita para
averiguação não só do que ocorreu ali, mas também em Belo Monte, no Pará, na
operação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e nas obras de
infraestrutura para as Olimpíadas.
Assim, graças à legislação
vigente, é possível tomar medidas legais imediatas: no plano administrativo,
aplicação de multas, interdição de atividades, apuração de responsabilidades
funcionais; no plano pré-processual, instauração inquéritos civis, lavratura de
termos de ajustamento de conduta; no plano processual, ajuizamento de ações
cautelares e principais pelo Ministério Público (Federal, do Estado e do
Trabalho), pela Defensoria Pública e por outros co-legitimados da Lei 7.347/85.
Não há necessidade de adoção de
medidas inovadoras, salvo se aplicar a lei vigente merecer esse qualificativo.
As notícias que chegam de Minas
Gerais, contudo, são acintosas. De acordo com notícia veiculada pelo site do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma senhora de quase setenta anos,
exercendo o seu direito de ver ao menos em parte ressarcidos os prejuízos
sofridos pelo rompimento da barragem, pediu que fosse reposta sua máquina de
lavar (!). Transcrevo esta passagem da notícia:
“Para a surpresa da senhora de 69 anos, ao
fazer o pedido, uma assistente social exigiu que ela provasse que tinha
realmente necessidade. “Ela me pediu que eu apresentasse um laudo médico que
provasse que eu não tenho força para torcer a roupa. Eu tenho osteoporose, tomo
vários remédios”, conta surpresa a idosa. Quando foi levar o marido em um
neurologista na cidade de Ponte Nova, aproveitou e pediu o médico para fazer o
laudo. Mas ele, igualmente surpreso, disse que não poderia fazer porque não era
a sua área. Dona Cenita, então, foi em um posto de saúde de Barra Longa e pediu
um laudo para uma médica clínica geral que acabou dando um relatório simples
que foi entregue à assistente social.”
Vai daí a enorme relevância da
atuação da Defensoria Pública, quando não para restituir imediatamente a tantas
outras “Donas Cenitas” o que perderam, ao menos para evitar tais episódios de
humilhação e afronta à dignidade humana como o relatado, pena de ajuizamento de
ação por danos morais.
Porém, o acinte dessas
megaempresas parece não ter fim.
De um lado, os jornais noticiam
que a Vale se recusa a reconhecer sua co-responsabilidade pelo acidente, mesmo
sendo sua acionista e, no plano fático, tendo utilizado da barragem para
deposição de resíduos de mineração que ela mesma produziu.
Quanto à BHP, de quem (talvez
ingenuamente) se esperava uma atitude socioambientalmente menos desprezível,
depois de oscilação negativa no mercado de ações na Austrália, rapidamente se
recuperou, numa demonstração de tranquilidade dos investidores, que já
consideram assegurada sua incolumidade patrimonial num país como o nosso.
A filha espúria das duas
gigantes, Samarco, em ofício enviado no dia 9/12, formalizou sua recusa em
assinar termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público. Por esse
motivo, o MP decidiu propor ação civil pública em face das três empresas,
Samarco e suas controladoras, esclarecendo que “... a Vale é
solidariamente responsável pelos eventos, pois há provas de que a empresa usava
a barragem de Fundão para depositar rejeitos da mina do complexo de Alegria,
conforme depoimentos prestados por engenheiros da própria Samarco, comprovado
ainda por um laudo do Departamento Nacional de Produção Mineral. Por sua vez, a
BHP Billiton lucrou com o uso indevido da barragem, tornando-se corresponsável
nos termos da chamada 'teoria do risco-proveito’”.
As três empresas permanecem
prepotentemente impassíveis. Confiam em seu poderio econômico de convencimento.
Sabem que Minas Gerais depende do setor da mineração para sustentar-se
economicamente. Conhecem a “política de aceleração do crescimento” do Governo
Federal e sorriem autoconfiantes, na certeza de que, mesmo em face da maior
tragédia ambiental da história da América Latina, ainda emplacarão com seu novo
Código de Mineração, cujo relator, por sinal, é o Deputado Federal Leonardo
Quintão, líder do PMDB na Câmara, nome de confiança do vice-presidente Michel
Temer, que admite sem pejo ser financiado pelas mineradoras.
Por esse motivo, não causa
espanto a declaração da Sra. Marilene Ramos, Presidenta do IBAMA, no mesmo dia
9/12, em que a Samarco comunicou sua recusa em assinar o termo de ajustamento
de conduta com o MPMG, de que o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana,
não deve levar a um “retrocesso da legislação”. A comandante da autarquia, que
teria o dever de zelar pela observância do art. 170, VI, da Constituição
Federal, afirma ao setor empresarial: “Num prazo bem longo, não sei precisar se
em 20 anos ou antes, vejo o licenciamento ambiental embasado no
autolicenciamento, onde não vou precisar mobilizar centenas de técnicos”.
Acredita ela que estará ainda no
mesmo cargo daqui a 20 anos? Seria o “autolicenciamento”, esse delírio
ultraliberal que causou a morte de ao menos treze pessoas, além de toda a fauna
do Rio Doce, a medida inovadora a que a Ministra Izabella Teixeira se referia?
De minha parte, espero que nos
próximos 20 anos consigamos ao menos resistir para evitar que essa campanha de
retrocesso na legislação de defesa dos direitos humanos, do direito à saúde e
ao meio ambiente seja estancada e que prevaleçam princípios e instrumentos como
o da responsabilidade civil objetiva, da autoexecutoriedade dos atos
administrativos voltados à proteção da vida, da saúde e do meio ambiente, da
responsabilidade do poluidor indireto, da ação civil pública, da
desconsideração da personalidade jurídica, da recomposição integral dos danos.
Medida inovadora e muito
bem-vinda, no atual estado de coisas, será levar a sério a Constituição Federal
e permitir que nossas instituições como o Ministério Público, Defensoria
Pública e órgãos administrativos criados para a defesa do meio ambiente
apliquem a legislação em vigor. Medida inovadora será rediscutir, em audiências
públicas democráticas, com as populações atingidas e com órgãos de defesa dos
Direitos Humanos e do Meio Ambiente, projetos como o do novo Código de
Mineração.
Guilherme José Purvin de Figueiredo
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio e PUC-SP. Doutor em Direito pela USP. Autor dos livros “Curso de Direito Ambiental” (6ª Ed., RT) e “Propriedade no Direito Ambiental” (4ª Ed., RT).
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/onde-estao-as-medidas-inovadoras-do-pior-desastre-ambiental-do-brasil/
Tragédias como Mariana deviam ensinar
Por Paulo Barreto, 17 dezembro
2015
Imagem do satélite Landsat-8 próximos à barragem e sobre o distrito de Bento Rodrigues em Mariana disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial.
O rompimento de barragens com
resíduos de mineração está deixando um rastro de destruição por centenas de
quilômetros do Rio Doce e no seu estuário. O rastro laranja atinge um rio que
já agonizava por dezenas de anos de maus tratos. Tragédias como essa deveriam
servir para melhorar a prevenção e a punição de crimes ambientais.
Vamos ver lições dos Estados
Unidos segundo o livro de Richard Lazarus, professor de direito
ambiental na Universidade Harvard. Em 1969, logo que o Presidente Richard Nixon
tomou posse ocorreu um vazamento de óleo na Califórnia e um rio (Cuyahoga) em
Ohio pegou fogo de tanta poluição acumulada. Nixon, do partido republicano
que geralmente evita a regulação, propôs legislação ambiental para evitar que
os democratas ganhassem o mérito por iniciativas ambientais. Nos meses e anos
seguintes, o presidente e o Congresso aprovaram leis de proteção do ar e da
água, incluindo o licenciamento ambiental, e as instituições executoras, como a
Agencia de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA).
Nas décadas seguintes a aplicação
das leis ajudou a reduzir drasticamente a poluição. Mas, não foi fácil.
Políticos e lobistas empresariais tentaram enfraquecer a lei e os órgãos
ambientais. Nixon tentou reverter parte das leis que ele mesmo promoveu ao
considerar que não teriam resultado nos ganhos eleitorais que imaginava. O
Congresso não deixou. O Presidente republicano Ronald Reagan também tentou
enfraquecer as leis. Mas um senador do mesmo partido de Reagan, que era maioria
no senado, se juntou aos democratas e bloqueou as medidas do presidente. Quando
o presidente indicou gestores do EPA com o objetivo de bloquear a aplicação das
leis, o Congresso constrangeu os administradores do EPA por meio de audiências
públicas para que eles aplicassem as leis. Em outros momentos, o Congresso também
tentou enfraquecer a lei. O Presidente Bill Clinton resistiu.
As ONGs pressionaram por
melhorias. Por exemplo, usando as regras de transparência pública, A National
Wildlife Federation publicou em 1989 a primeira lista das 500 empresas mais
poluidoras do país (The Toxic 500). A sociedade civil demandou intervenção
judicial em muitos casos. A Justiça Federal sentenciou contra as empresas e
órgãos ambientais. Criminosos ambientais foram presos. Sem a possibilidade de
prisão, os empresários incorporariam as multas aos custos de fazer o negócio e
continuariam a poluir.
"A presidente Dilma deixaria
sua marca positiva se também nomeasse uma comissão independente para aprender
as lições do rompimento da empresa Samarco e promovesse as mudanças
necessárias. "
A tragédia em Mariana está sendo
seguida de algumas medidas punitivas. Os Ministérios Públicos de Minas e
Federal cobraram preliminarmente R$ 1 bilhão da empresa para custear ações
emergenciais. O governo federal multou a empresa em R$ 250 milhões e prometeu
ajuizar ações de reparação de R$ 20 bilhões. Embora estas ações sejam
essenciais, são insuficientes para assegurar que a gestão ambiental melhorará.
O histórico recente mostra que o poder público tende a enfraquecer as leis
ambientais quando elas “pegam”.
Na última década algumas leis
ambientais começaram a ”pegar” por causa de pressões da sociedade civil, da
independência do Ministério Público, da renovação de pessoal do Ibama e de
eventuais líderes comprometidos no poder executivo. Por exemplo, a combinação
destas forças ajudou na redução do desmatamento em cerca de 85% entre 2004 e
2012. Porém, o poder público e lobistas se uniram para enfraquecer as leis e os
órgãos ambientais. Em 2012, o Congresso e Executivo anistiaram parte do
desmatamento ilegal mudando o Código Florestal e reduziram Unidades de
Conservação.
Pior , eles ainda querem mais. O
Congresso está tentando dificultar a demarcação de Terras Indígenas. Enquanto
ainda existem corpos desaparecidos da tragédia em Mariana, a Comissão Especial
do Desenvolvimento Nacional aprovou o projeto de lei 654/2015, do senador
Romero Jucá (PMDB-RR), que facilita o licenciamento de obras de infraestrutura
nos sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; portos; energia;
telecomunicações. Se aprovado pelo plenário e sancionado pela Presidente, o
órgão ambiental terá 60 dias para avaliar os estudos ambientais e solicitar
esclarecimentos. Depois disso, terá mais 60 dias para decidir. Se o órgão
ambiental não conseguir avaliar o projeto neste período, o licenciamento será
considerado aprovado. Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou em
regime de urgência projeto do governador que impõe prazos para o licenciamento
ambiental. Avaliar rapidamente projetos complexos com pouco pessoal é missão
impossível para os órgãos ambientais.
Neste contexto, as ideias e
pressão para mudar terão de vir de fora. A experiência americana mostra que
promotores, judiciário, a sociedade civil e a imprensa foram essenciais. Além
de fazer cumprir as leis existentes, temos que aprender com as tragédias.
Nos EUA, depois do vazamento de óleo no golfo do México em 2010, o Presidente
Obama nomeou uma comissão independente para avaliar o caso. Um advogado e
químico, professor de Harvard, dirigiu o trabalho que apresentou
lições valiosas. A presidente Dilma deixaria sua marca positiva se também
nomeasse uma comissão independente para aprender as lições do rompimento da
empresa Samarco e promovesse as mudanças necessárias. Sem aprender, vamos
continuar apenas chorando pelas vítimas e lamentando as perdas ambientais e
econômicas.
Paulo Barreto
Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne
realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon e mestre em Ciências
Florestais pela Universidade Yale (EUA).
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/tragedias-que-ensinam/
Vida das Aves: Humboldt e eu escalando o pico das Agulhas Negras
Por Marcos Rodrigues em Dezembro 2015.
Subindo a serra do Itatiaia e observando o gradiente altitudinal de diversidade. Foto: Pedro Jordano
Estou aqui dentro de um ônibus, ainda como aluno de
graduação em biologia junto com outros trinta e cinco colegas de turma numa
excursão rumo ao Parque Nacional do Itatiaia, nas montanhas do Rio de Janeiro.
O professor que nos guia é o corajoso João Vasconcellos. Corajoso porque eu
dificilmente levaria a cabo uma excursão destas. São quase quarenta
pós-adolescentes com os hormônios à flor da pele, apinhados num ônibus sem ar
condicionado, com as janelas escancaradas deixando que o ar quente do vale do
Paraíba infeste ainda mais o ambiente de euforia. Um toca violão lá no fundão
do ônibus, acompanhado por vozes desafinadas. A turma que senta nas poltronas
intermediárias conversa, ri, gargalha e gesticula sem parar. Poucos realmente
prestam atenção ao que está acontecendo.
Para falar a verdade, eu confesso que nada sabia
sobre a serra do Itatiaia, a não ser que lá estava um dos picos mais altos do
Brasil com seus 2.791 metros de altitude. Todo esse conhecimento profundo vinha
das aulas de geografia do ensino fundamental, já deixado para trás há anos:
Agulhas Negras, outrora considerado o pico mais alto do Brasil.
Mas o professor Vasconcellos nos proporcionou uma
viagem fascinante que jamais esquecerei. Saímos do quente e abafado vale do
Paraíba, numa altitude de 500 metros acima do nível do mar, na caótica rodovia
Presidente Dutra. Acredite: nos anos 80 essa rodovia era muito pior que nos
dias de hoje.
A estrada nos levava ao sopé das montanhas
florestadas e escuras protegidas pelo Parque Nacional do Itatiaia.
“Saímos da baixada, quase ao nível do mar, e vamos
em direção ao planalto, visitaremos o pico das Agulhas Negras que está a quase
três mil metros de altitude. O que iremos testemunhar agora é um dos padrões
ecológicos mais conhecidos: o gradiente altitudinal de diversidade”. Foram as
palavras do professor.
Mas afinal o que é o gradiente altitudinal de
diversidade?
À medida que o ônibus subia a serra percebíamos a
mudança na vegetação. No início a floresta com árvores altíssimas, de troncos
grossos e repletos por bromélias e outras epífitas. O sub-bosque era densamente
povoado por árvores menores, arbustos, palmiteiros, taquaras e xaxins gigantes.
Tudo era muito verde, muito úmido e muito escuro. O ônibus subia e olhávamos
pela janela toda aquela paisagem fechada e sem horizontes.
Curvas e mais curvas entre subidas íngremes ao lado
de desfiladeiros florestados: nada mais do que isso.
“Agora percebam a floresta nebular, o menor número
de espécies de árvores pode ser notado pela copa uniforme das árvores”.
Continuava o professor.
Sim, estávamos agora no sopé do planalto, a mais de
mil metros de altitude e a floresta alta e densa da baixada havia se
transformado numa floresta de árvores pequenas e de troncos completamente
tomados por musgos e barbas-de-velho (que é uma bromélia). Tudo isso em meio a
uma neblina densa que fazia com que a paisagem se parecesse com um jardim de
duendes.
“Finalmente chegamos aos campos de altitude, onde
praticamente não há árvores, mas muitas gramíneas e outras plantas típicas
desse ecossistema que só ocorrem aqui. Agora percebemos claramente o padrão do
gradiente altitudinal de diversidade: à medida que subimos uma montanha, a
diversidade de flora e fauna diminui. O número de espécies de árvores e
arbustos cai a zero, e essa diminuição de diversidade acontece com muitos
grupos de animais”. Mais uma vez avisava o professor.
Nos campos de altitude o horizonte se abria diante
dos nossos olhos, com um céu azul anil forte que protegia toda a paisagem ocre
das gramíneas. Neste momento descemos do ônibus e começamos uma caminhada rumo
às famosas Agulhas Negras.
Os campos de altitude são ecossistemas que aparecem
nos pontos mais elevados das montanhas do leste do Brasil: nas serras do Mar,
da Mantiqueira e do sul do Brasil, a serra do planalto gaúcho. Estes campos
estão situados acima de 1500 metros de altitude e geralmente sobre rochas de
granito. A flora dos campos de altitude e, até certo ponto, o clima e o solo se
mostram muito semelhantes àqueles da região dos Andes e assim esse ecossistema
também recebe a denominação de “páramos brasileiros”.
A diminuição do número de espécies de plantas e
animais à medida que subimos uma montanha não é um fato novo na ciência. O
padrão de gradiente altitudinal fora descrito há muitos anos por um dos maiores
cientistas da humanidade: Alexander von Humboldt.
De Berlin para os Andes: uma narrativa que
transcende o tempo
Alexander von Humboldt por Friedrich Georg Weitsch. Fonte: Wikipédia
Humboldt viveu entre 1769 e 1859 e escreveu sobre
tudo: geologia, geografia, história natural, economia, física e química.
Humboldt nasceu em família nobre na Berlin da antiga Prússia (hoje Alemanha).
Possivelmente ele foi o mais famoso cientista de sua época. Humboldt descreveu
cerca de 4.000 experimentos científicos, envolvendo cerca de 300 tipos
diferentes de animais e plantas – de ratos a mimosas, sanguessugas e outros
vermes. Ele concluiu, por exemplo, que os animais partilham o potencial geral
de estimulação elétrica (que está ausente em plantas), e que a estimulação
elétrica é transmitida através dos nervos.
Mas Humboldt é mais conhecido por ter sido um
intrépido explorador. Sua vida foi cheia de aventura e descobertas, quer
escalando os vulcões mais altos do mundo, remando pelo Orinoco ou atravessando
a gélida Sibéria.
Seus trabalhos mais conhecidos são as descrições
precisas sobre a geografia da América do Sul, por onde ele empreendeu uma épica
viagem entre os anos de 1799 e 1804. Humboldt escreveu dezenas de livros e
artigos científicos e foi exatamente entre as montanhas mais altas da
cordilheira dos Andes que ele vislumbrou o padrão altitudinal de diversidade.
Viagem ao pico da Terra
Chimborazo: um vulcão em forma de cone situado em
plena linha do equador, culminando a 6.267 metros de altitude e a apenas 180 km
ao sul de Quito é o pico mais alto dos Andes equatoriais. Segundo as próprias
palavras de Humboldt:
“Na costa do mar do Sul, após as longas chuvas
de inverno, quando o ar de repente se torna mais lúcido, Chimborazo aparece
para o observador como uma nuvem no horizonte; ele destaca-se dos picos
vizinhos; ele paira acima de toda a cordilheira dos Andes tão majestoso quanto
o duomo, a obra do gênio Michelangelo que paira acima dos monumentos antigos
que rodeiam o Monte Capitolino”. 1
Humboldt, além de descrever poeticamente o
Chimborazo já explica a magnitude da montanha:
“O brilho radiante de suas neves, quando visto
do porto de Guayaquil, no final da estação chuvosa é discernido no horizonte.
Isso pode nos levar a supor que ele deve ser visto a uma distância muito grande
no mar do Sul. Os pilotos altamente dignos de crédito garantiram-me que eles o
observam a partir da rocha de Muerto, a sudoeste da ilha de Puna, a uma
distância de 47 léguas”. 1
Chimborazo, pintado por Frederic Edwin Church (1826-1900) em 1864.
Church é um dos principais artistas dos Estados Unidos. Suas leituras de
Alexander von Humboldt o levou a viajar aos Andes, onde ele seguiu os passos de
Humboldt. “A grandiosidade épica e a dramaticidade sublime de sua obra
sintetizam as ideias do romantismo”. Fonte: Wikipédia e 'O Livro da Arte' –
Martins Fontes
Em Junho de 1802, Humboldt e seu amigo inseparável,
o botânico Aimé Bonpland, subiram as encostas do Chimborazo, até então
considerada a montanha mais alta do mundo. Eles chegaram a 6.327 metros, um
recorde de escalada na época. O pico só foi atingido em 1880, pelo famoso
alpinista britânico Edward Whimper.
Humboldt, um escritor prolífico, descreveu suas
observações em um livro intitulado “Ensaio sobre a geografia das plantas”
publicado em 1807 e considerado um texto fundamental da ecologia e
biogeografia.2
“Eu escrevi a maior parte do trabalho na própria
presença dos objetos que eu estava a descrever, no sopé do Chimborazo, no
litoral do mar do Sul.” 2
A descrição de Humboldt não poderia ser mais
precisa:
“Quando se sobe a partir do nível do mar para os
picos de altas montanhas, pode-se ver uma mudança gradual na aparência da terra
e nos vários fenômenos físicos na atmosfera. As plantas nas planícies são
gradualmente substituídas por outras muito diferentes: plantas lenhosas
diminuem pouco a pouco e são substituídas por plantas herbáceas e alpinas;
ainda mais alto, encontra-se apenas gramíneas e criptogâmicas. As rochas são
cobertas com alguns líquenes, mesmo nas regiões de neve perpétua. Como o
aspecto das mudanças de vegetação, o mesmo acontece com a forma dos animais: os
mamíferos que vivem na floresta, os pássaros que voam no ar, até mesmo os
insetos roendo as raízes no solo são todos diferentes de acordo com a elevação
do terreno.” 2
Humboldt continua descrevendo o fenômeno e o
compara a várias outras partes do planeta, esboçando com lógica aguçada que os
padrões altitudinais estão diretamente relacionados aos padrões latitudinais:
“Estas variações são encontradas em todas as
regiões onde a natureza fez cadeias de montanhas e planaltos acima do nível do
mar; mas são menos proeminentes em zonas temperadas do que no equador onde a
Cordilheira tem uma altitude de 5.000 a 6.000 metros, e onde há uma temperatura
uniforme e constante em cada elevação. Perto do pólo norte há montanhas quase
tão colossais como as encontradas no reino de Quito, e cujo agrupamento foi frequentemente
atribuído a rotação da Terra. Monte Saint Elias, situado na costa americana em
frente à costa da Ásia, a 60 ° 21 ‘de latitude boreal, tem 5.512 metros de
altura; Monte Fairweather, situado no grau 59 de latitude boreal, tem 4.547
metros de altura. Na nossa latitude média de 45 graus, o Mont-Blanc tem uma
altura de 4.754 metros, e pode-se considerá-lo como sendo a montanha mais alta
do Velho Continente, até que exploradores corajosos possam medir a cadeia de
montanhas no noroeste da China, que alguns têm afirmado a ser maior do que
Chimborazo. Mas nas regiões do norte, nas zonas temperadas a 45 graus, o limite
da neve permanente, que é também o limite para toda a vida organizada, é apenas
a 2.533 metros acima do nível do mar. O resultado é que em montanhas das zonas
temperadas, a natureza pode desenvolver a variedade de seres organizados e
fenômenos meteorológicos em apenas metade da superfície oferecidos por regiões
tropicais, onde a vegetação deixa de existir somente em 4.793 metros. Em nossas
latitudes do norte, a inclinação dos raios do sol e do comprimento desigual dos
dias elevam a temperatura no ar da montanha tanto que a diferença entre a
temperatura nas planícies e a temperatura a 1.500 metros é muitas vezes
imperceptível: por este motivo, muitas plantas que crescem ao pé dos nossos
Alpes também são encontrados em grandes alturas.” 2
Humboldt também descreve os animais que encontra no
alto de Chimborazo. A caracterização dos animais se dá pelas cotas de altitude
e não poderia ser mais precisa.
“Do nível do mar até 1.000 metros, nas regiões
de palmeiras e gengibres [Zingiberales], encontram-se preguiças que
vivem na Cecropia peltata; boas e crocodilos que
dormem ao pé da Conocarpus e Anacardium caracoli.
É aí queCavia capivara se esconde nos pântanos cobertos de Heliconia e Bambusa a
fim de escapar da busca da onça; Crax, tanayra e papagaios
empoleiram-se em Caryocar e Lecythis. É aí que se
vê Elater noctilucus alimentando-se de cana de açúcar, e Curculio
palmarum vivendo na medula de coqueiros. As florestas nessas regiões
tórridas estão vivas com os gritos dos macacos bugios e outros macacos sapajou.
A onça-pintada, o Felis concolor, e o tigre preto do Orinoco, ainda
mais sanguinário do que o jaguar, caçam cervos pequenos (C. mexicanus), Cavia
e tamanduás, cuja língua é fixada no final do esterno.” 2
A presença de animais ‘perniciosos’ encontrados nas
terras baixas tornou sua viagem ainda mais difícil.
“O ar das regiões das terras baixas,
especialmente na borda de matas e nas margens dos rios, está cheio de mosquitos
em tais quantidades que esta parte grande e bonita da terra é quase inabitável.
Além dos mosquitos, háOestrus humanus [mosca berneira – Dermatobia hominis] que
colocam seus ovos na pele dos homens e provocam dolorosos inchaços; há ácaros
que atacam a pele, aranhas venenosas, formigas e cupins que destroem as
estruturas construídas pelos habitantes.” 2
Entre as cotas de 1000 e 2000 metros de altitude
Humboldt descreve:
“Nas regiões de samambaias arborescentes, quase
não há jaguares, não há boas, não há crocodilos, e não há peixes-boi e alguns
macacos; mas há uma abundância de antas, porcos do mato e Felis
pardalis. Homens, macacos e cães são incomodados por um número infinito de
pulgas (Pulex penetrans) que são menos abundantes nas planícies.” 2
As surpresas encontradas por Humboldt continuam
conforme ele sobe o Chimborazo:
“Entre 2.000 e 3.000 metros, nas regiões
superiores do quinquinas, não há macacos, não há Cervus mexicanus;
mas há Felis tigrina, ursos, e o grande veado dos Andes. A esta
altitude, igual à cimeira Canigou, piolhos, infelizmente, são abundantes. De
3.000 a 4.000 metros, encontra-se uma espécie de pequeno leão chamado puma na
língua Quichoan, pequenos ursos com testas brancas, e algumas civetas [provavelmente
mustelídeos]. Eu fui surpreendido ver beija-flores em altitudes semelhantes
ao cume Tenerife.” 2
E finalmente, nos páramos da cordilheira, Humboldt
destaca os animais que ali habitam e suas questões biogeográficas:
“A região de Espeletia frailexon e de gramíneas, de
4.000 a 5.000 metros de altitude, é habitada por grupos de vicunhas, guanaco, e
alpaca …. É um aspecto muito marcante da geografia de animais que alpacas,
vicunhas, e “guanaco” vivem ao longo de todo o cume dos Andes, do Chile até o
nono grau de latitude austral, mas não são vistos a partir desse ponto ao
norte, nem no reino Quito, nem nos Andes de Nova Granada. A avestruz [ema] de
Buenos Aires apresenta um fenômeno semelhante. É difícil entender por que esse
pássaro não é encontrado nas vastas planícies ao norte da Cordillera Chiquitos,
onde bosques são intercaladas com algumas savanas.” 2
Humboldt descobre os limites da vida
Humboldt e Bonpland a caminho do Chimborazo, por
Friedrich Georg Weitsch. Fonte: Wikipedia
Humboldt e Bonpland “rastejavam sobre mãos e
joelhos ao longo de um alto cume estreito que tinha apenas dois palmos de
largura. O caminho, se é que se pudesse chamar aquilo de ‘caminho’, estava
repleto de camadas de areia e seixos soltos que se deslocavam quando tocados.
Para baixo à esquerda era um penhasco íngreme incrustado com gelo que brilhava
quando o sol rompia a nuvem espessa. A vista para a direita, com uma queda de
300 metros, não era muito melhor. Ali, as paredes escuras estavam cobertas de
rochas que se projetavam como lâminas de faca. Humboldt e Bonpland se moviam
lentamente. Sem equipamento e sem roupas apropriadas, aquilo era uma escalada
perigosa. O gelo já havia anestesiado suas mãos e pés. A neve úmida já havia
penetrado por suas botas finas, e cristais de gelo se penduravam sobre seus
cabelos e barbas. A 5.200 metros acima do mar eles lutavam para respirar o ar
rarefeito. À medida que prosseguiam, as rochas pontiagudas desfiavam a sola de
seus sapatos, e seus pés começavam a sangrar.” 3 Não
havia mais vida a partir daquela altitude.
Era 23 de junho de 1802 e Humboldt e Bonpland, que
já haviam sido abandonados pelos guias locais, estavam agora na zona de gelo
‘eterno’ do Chimborazo. Os limites biogeográficos da cordilheira são então
perfeitamente expostos por Humboldt:
“O limite inferior de neve perpétua é, por assim
dizer, o limite superior dos seres organizados. Algumas plantas liquenóides
vegetam por baixo da neve; mas o condor (Vultur gryphus) é o único
animal que vive nestas vastas solidões. Vimo-lo subir a mais de 6.500 metros de
altitude. Alguns esfingídeos [borboletas Sphingidae] e algumas
moscas que vimos a 5.900 metros de altitude pareceu-me serem levados para lá
involuntariamente por correntes de vento ascendente.” 2
Finalmente Humboldt coloca as condições
atmosféricas como explicação para o surgimento deste padrão:
“Nos trópicos, pelo contrário. Na vasta
superfície de até 4.800 metros, sobre esta superfície íngreme, escalando do
nível do mar para as neves perpétuas, vários climas seguem um ao outro e estão
sobrepostos, por assim dizer. Em cada elevação, a temperatura do ar varia
apenas um pouco; a pressão da atmosfera, o estado higroscópico do ar, a sua
carga elétrica, todos estes seguem leis inalteráveis que são ainda mais fáceis
de reconhecer porque os fenômenos são menos complicados lá. Como resultado,
cada elevação tem as suas próprias condições específicas, e, portanto, produz
formas diferentes de acordo com estas circunstâncias, de modo que nos Andes de
Quito, em uma região com uma largura de 2.000 metros pode-se descobrir uma
maior variedade de formas de vida que em uma zona igual nas encostas dos
Pirineus.” 2
Desde então, muitos naturalistas de peso, como
Charles Darwin e Alfred Russel Wallace e ecólogos contemporâneos trabalharam
para confirmar se esse padrão poderia ser generalizado para todas as plantas e
animais. É bom lembrar que Personal Narrative of Travels to the
Equinoctial Regions of the New Continent era o livro de cabeceira de
Charles Darwin enquanto ele navegava a bordo do Beagle. Wallace
também cita o mesmo livro como um dos mais importantes da sua vida.
Ao que parece o padrão foi encontrado para espécies
de mamíferos, formigas, árvores e muitas outras plantas e aves. Várias
hipóteses foram lançadas para explicar este fenômeno. Condições atmosféricas
como a temperatura e pluviosidade poderiam explicar o fato? Ou seria apenas um
efeito de área? Áreas maiores são capazes de suportar mais espécies? Afinal, à
medida que aumenta a altitude, a área total diminui, assim, existem mais
espécies presentes em altitudes médias e baixas que nas altas elevações. Será?
Mas o buraco é sempre mais embaixo: nova luz sobre
os gradientes de diversidade
Em 1995, o pesquisador Carsten Rahbek, da
Universidade de Copenhagen, se perguntou se o conhecimento convencional sobre o
padrão de gradiente de diversidade era apoiado por dados robustos. Rahbek
conclui surpreendentemente que não! A maioria dos estudos, quando o esforço de
amostragem era corrigido, mostrava que existiam diversos resultados para cada
estudo analisado, mas parecia que um padrão emergia: a diversidade de espécies
atingia um máximo em elevações intermediárias. 4
Os estudos analisados por Rahbek eram provenientes
de várias cadeias de montanhas, e com vários grupos diferentes de animais e
plantas. Uma hipótese para explicar porque diferentes padrões de gradientes de
diversidade são encontrados no planeta é que a escala e a extensão das
elevações estudadas variam muito entre os estudos. Outra hipótese é que diferentes
cadeias de montanhas pertencem a regiões climáticas específicas, com histórias
evolutivas próprias. A história evolutiva daquele grupo de espécies analisado
nos estudos de gradiente altitudinal parece sempre ter sido um aspecto
negligenciado pelos pesquisadores. 4
Hoje, os biólogos atribuem um grande número de
fatores que podem explicar os gradientes altitudinais de diversidade, tais como
produtividade primária do local, dinâmicas populacionais de extinção e
colonização locais, tamanho da área, restrições geométricas das áreas
amostradas e a história evolutiva daquele ecossistema ou das espécies
analisadas. 4
A variedade de resultados encontrados entre os
múltiplos estudos sugere que um único mecanismo não pode explicar todos os
gradientes de diversidade observados no planeta. Estudos futuros deverão
incorporar a interação entre o clima contemporâneo e o clima passado, ou
deverão integrar ecologia e evolução, ou empregar novas ferramentas para
entender os efeitos das mudanças climáticas sobre os padrões atuais e o futuro
da biodiversidade. 4
O efeito da temperatura, entretanto, nunca foi
descartado, o que gera preocupação entre os ambientalistas, pois afinal a
temperatura do planeta vem aumentando consideravelmente.
A neve do Chimborazo está desaparecendo. Não apenas
o mítico Chimborazo de Humboldt. Geleiras em toda a cordilheira dos Andes estão
derretendo ano a ano. As consequências são potencialmente graves para as
sociedades humanas na região, pois o degelo glacial é fundamental para o
abastecimento de água, agricultura e geração de energia. Mas Humboldt já
previra isso. Em 1844, ele listou as três maneiras pela qual a espécie humana
afeta o clima:
“Através das destruições das florestas, através
da distribuição de água, e através da produção de grandes massas de vapor e gás
nos centros industriais.” 3
O meu Chimborazo
O meu Chimborazo: o pico das Agulhas Negras. Fonte:
Alex Hubner/Wikipédia
Estamos agora no sopé do pico das Agulhas Negras, o
meu Chimborazo, aqui mesmo nas montanhas do Rio de Janeiro. Um planalto sem
fim, repleto por gramíneas de cor ocre metálico está à minha frente. Um céu
azul magenta incólume circunda 360 graus da minha visão. Um vento suave e frio
me gela a garganta e me faz encapuzar um gorro de lã feito pela minha avó. O
silêncio se instala mesmo numa turma de quase 40 pós-adolescentes. Estamos
tragados pela beleza única da paisagem. Uma parede cinza escura de pedras, como
dedos maciços e redondos se ergue sobre nosso horizonte e aponta para o
infinito: Agulhas Negras e não dedos negros. Contemplo-o com se fosse a paisagem
mais bela jamais vista por um ser humano. Naquele momento eu sou Alexander Von
Humboldt.
De repente escuto o professor Vasconcellos:
“Um fato indiscutível é que nesses picos de
montanha ocorrem espécies endêmicas, de distribuição extremamente restrita,
adaptadas a estas condições atmosféricas.”
PS:
Este texto é dedicado aos meus professores João Vasconcellos Neto e Maria Alice
Garcia, que me levaram ao Itatiaia e aos meus colegas da turma de Ciências
Biológicas.
Para saber mais
1- Humboldt, A.v. 1814–29. Personal
Narrative of Travels to the Equinoctial Regions of the New Continent, During
the Years 1799–1804. 7 vols., 1 (1814), 2 (1814), 3 (1818). London:
Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown. [Traduzidos para o inglês por Helen
Maria Williams, mas existem outras traduções e versões. A tradução para o
português é minha].
2- Humboldt, A.v. e Aimé Bonpland. Essay on the Geography of Plants. 2009. The University of Chicago Press. Tradução de Essai sur la géographie des plantes, 1807, Paris: Fr. Schoell. [A tradução do inglês para o português que aparece no texto é minha].
3- Wulf, A. 2015. The invention of Nature. Alfred A. Knopf, New York. [A tradução de algumas passagens para o português é minha].
4- Sanders, N. J. e Rahbek, C. 2012. The patterns and causes of elevational diversity gradients. Ecography35: 1–3.
2- Humboldt, A.v. e Aimé Bonpland. Essay on the Geography of Plants. 2009. The University of Chicago Press. Tradução de Essai sur la géographie des plantes, 1807, Paris: Fr. Schoell. [A tradução do inglês para o português que aparece no texto é minha].
3- Wulf, A. 2015. The invention of Nature. Alfred A. Knopf, New York. [A tradução de algumas passagens para o português é minha].
4- Sanders, N. J. e Rahbek, C. 2012. The patterns and causes of elevational diversity gradients. Ecography35: 1–3.
Marcos Rodrigues
Doutor em zoologia pela Universidade de Oxford (UK). Hoje, é
professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais.
Fonte: http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/vida-das-aves-humboldt-e-eu-escalando-o-pico-das-agulhas-negras/
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