Por Fábio de Castro
Agência FAPESP
A atribuição de valor aos serviços
ecológicos é um fator importante para incentivar a preservação da natureza e da
biodiversidade. Mas não é suficiente: as dimensões econômicas por si só não
garantem a conservação se não forem agregadas a fatores não-econômicos que
envolvem valores históricos, culturais e até mesmo estéticos.
A conclusão é de uma análise sobre a
valoração econômica e os instrumentos para a conservação e uso sustentável da
biodiversidade coordenada por Luciano Verdade, professor da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
Verdade, que é membro da coordenação do
Programa Biota-FAPESP, apresentou os resultados do estudo durante a conferência
internacional Getting Post 2010 – Biodiversity Targets Right, realizada em
dezembro pelo Programa Biota-FAPESP, pela Academia Brasileira de Ciências (ABC)
e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O professor coordena o Projeto Temático Mudanças socioambientais no
Estado de São Paulo e perspectivas para a conservação, financiado
pela FAPESP.
A reflexão sobre valoração econômica e
conservação da biodiversidade foi feita a partir de uma análise das mudanças
socioambientais ocorridas na região de Angatuba (SP), município situado a cerca
de 210 quilômetros a oeste da capital paulista.
“A análise das mudanças ao longo do
tempo mostrou que a configuração que encontramos hoje na região estudada tem
uma base mais histórica que propriamente geográfica biológica. As
transformações econômicas no decorrer do processo histórico foram o motor das
mudanças nos processos ecológicos e agrícolas. Ao mesmo tempo, o estudo indica
que a atividade econômica – às vezes vista como uma panaceia para combater a
perda da biodiversidade – pode ser também a causa dessa perda”, disse Verdade.
A localidade de Angatuba foi elevada à
categoria de município no ano de 1885. Entre 1889 e 1929, a população rural era
predominante na área onde foi realizado o estudo. Havia pelo menos 30 famílias
instaladas na zona rural.
“Era uma região com concentração de
poder político, de onde saíram senadores e governadores naquela época. Na área
de educação, havia ali um esforço maior que em outras cidades do mesmo porte.
Em função desse desenvolvimento, houve um grande desmatamento, com a introdução
de culturas de café, feijão, milho e frutas. Havia uma pressão de caça
significativa e intensa extração de madeira. Naquele período, a população
escrava foi substituída por imigrantes”, disse Verdade.
Com a crise financeira de 1929, a
cultura de café foi subitamente abandonada, acarretando a recuperação da
vegetação nativa. A depressão econômica causou um êxodo rural – os descendentes
de escravos não permaneceram na região –, perda do poder político e retração
dos esforços educacionais.
“Entre 1930 e 1975, houve um
considerável processo de revegetação nativa – área de transição entre Cerrado e
floresta semidecídua – e uma diminuição sensível da pressão de caça”, disse.
Entre 1975 e 2005, a população rural da
área estudada passou por outra retração: restaram apenas cerca de dez famílias.
“Mas o desmatamento da vegetação nativa voltou a aumentar, com o avanço dos
pastos e da pecuária. Algumas árvores permaneceram no meio dos pastos,
modificando a composição da paisagem. A pressão de caça voltou a ser
significativa”, disse o pesquisador.
Em 2005, com a chegada da silvicultura,
a população diminuiu ainda mais. Restaram duas ou três famílias. A legislação
ambiental garantiu a implementação de áreas de preservação permanente (APP) e
da reserva legal (RL).
“Graças a isso, está ocorrendo um novo
processo de revegetação nativa e a pressão de caça voltou a diminuir. O esforço
educacional do começo do século 20 também retornou, na forma de um esforço
científico, com o nosso Projeto Temático e outras ações de pesquisa. Hoje,
encontramos uma paisagem ainda mais modificada pelo advento da silvicultura,
com eucaliptos no meio dos campos, por exemplo”, afirmou.
O caso de Angatuba, segundo Verdade,
ilustra os processos que ocorreram de maneira geral em todo o Estado de São
Paulo. “As mudanças ocorridas no estado se devem a transformações econômicas ao
longo do processo histórico – e não tanto a transformações biológicas. As
atividades econômicas vêm movendo os processos ecológicos e agrícolas”, disse.
Perspectivas econômicas
A biologia da conservação passou por
diferentes momentos desde sua origem na década de 1970, a partir da obra do
biólogo norte-americano Michael Soulé, que hoje atua na Universidade da
Califórnia em Santa Cruz, Estados Unidos. No início, a preocupação estava
voltada principalmente para as populações pequenas, submetidas ao risco de
extinção.
“A partir disso, houve o desenvolvimento
de outras disciplinas ligadas á conservação biológica, incluindo a Ecologia da
Paisagem e a medicina da Conservação. Em um dado momento, passou-se também a
pensar nas dimensões econômicas ligadas aos processos de conservação de
biodiversidade. Nesse sentido, Robert Costanza, da Portland State University,
dos Estados Unidos, destaca que o “investimento na conservação sempre implica
em custos”, disse Verdade.
Outra corrente, liderada pelo
australiano Graeme Caughley (1937-1994), prega que são os processos
demográficos de declínio populacional, envolvendo taxas de natalidade e de
mortalidade, que empurram as populações para as extinções. A extinção,
portanto, não seria apenas um problema de populações pequenas.
“Nessa perspectiva, há poucas
alternativas em termos de conservação. Em um primeiro momento, podemos tentar
aumentar o número de indivíduos de uma espécie que sofreu declínio populacional
indevido. Nesse sentido, pode-se considerar a conservação como uma prática de
manejo de espécies ameaçadas”, explicou.
Outras práticas possíveis são o
controle de populações que tenham crescido indevidamente, ou o manejo para se
alcançar o máximo rendimento sustentável de populações com valor econômico para
caça, pesca ou coleta.
“Mas a motivação econômica para o manejo
ocorre especialmente em duas categorias de populações: as ‘pragas’ e as
espécies com valor econômico. As espécies consideradas ‘pragas’, são algumas
dezenas. As de valor econômico – assim como as espécies ameaçadas – são
contadas às centenas. A maior parte das espécies – alguns milhões delas – não
se encaixam, no entanto, em nenhuma dessas categorias”, disse o professor da
Esalq.
Quando se trata de controle na
perspectiva da dimensão econômica, o objetivo é promover a extinção da espécie
em questão. “Mas raramente temos sucesso com isso. Estudos mostram, por
exemplo, que fêmeas de coiotes de populações sob alta pressão de caça ovulam
mais que fêmeas de populações não caçadas. Exceto em relação a alguns grandes
mamíferos, predominam exemplos de fracasso no manejo visando ao controle. Nunca
vamos extinguir as baratas, por exemplo”, afirmou.
Quanto à exploração econômica das
espécies, Verdade conta que os fatores culturais têm um papel que nem sempre é
levado em conta. “No Brasil, por exemplo, somos muito conservadores em relação
à pesca e muito liberais em relação à pesca. Na caça não se pode nada, com
algumas exceções. E na pesca, pode-se tudo, com algumas exceções”, disse.
A visão da sociedade em relação à
caça/pesca esportiva, segundo o cientista, é muito mais negativa que em relação
à caça/pesca comercial. Mas a caça esportiva traria consigo um componente
cultural, não econômico: o caçador quer perpetuar o animal para poder caçar
sempre.
“O aspecto cultural assegura que o
objetivo da atividade em si seja não econômico, o que permite sua perpetuação.
A lógica econômica da caça comercial, por outro lado, tem como objetivo a
exaustão de uma espécie e, em seguida, a busca de outra espécie até sua
exaustão e assim sucessivamente. No entanto, ela é mais tolerada que a caça
esportiva”, disse o membro da coordenação do Biota-FAPESP.
Desenvolvimento de mão dupla
A agricultura tem um impacto muito
maior do que a caça na alteração do ambiente. A atividade agrícola traz
benefícios inegáveis, de acordo com ele, permitindo o acúmulo de alimento. Mas
traz também problemas ambientais.
“Justamente por ter permitido o
adensamento populacional urbano, a atividade agrícola tem um custo ambiental
altíssimo, gerando poluição e doenças. A agricultura gera riqueza e podemos
dizer que ela viabilizou a civilização. Até mesmo as guerras só passaram a
existir graças a ela, porque os exércitos só podiam se locomover se tivessem
comida acumulada. Antes da agricultura só havia guerrilha”, disse Verdade.
Fenômeno ligado à economia, o
desenvolvimento, de modo geral, traz consigo dois custos ambientais
significativos: o aumento do consumo de energia e a destruição do habitat de
certas espécies. Essa destruição do habitat teria extinguindo mais espécies que
a própria caça.
“O processo de desenvolvimento leva a
uma situação peculiar: quando a vontade individual se sobrepõe à vontade
coletiva, normalmente se opta pelo benefício individual, o que leva ao colapso
do sistema. Se não houver certa regulamentação, não se pode pensar na
manutenção da funcionalidade do sistema. Para a coletividade brasileira, por
exemplo, seria mais interessante manter um Código Florestal mais conservador.
Mas, para setores individuais, o benefício vem com a relativização do código”,
afirmou.
Nesse contexto a solução pode estar na
valoração da economia dos serviços de ecossistemas – como a água e os polinizadores,
por exemplo. “Mas esse processo de valoração tem limitações e requer avanços
tecnológicos. As regulações exigem fiscalização. E os preços de mercado são
flutuantes, o que dificulta a tarefa”, disse Verdade.
Para o cientista, o estudo do caso de
Angatuba, colocado em perspectiva histórica da biologia da conservação, sugere
que a atribuição de valor econômico não basta para preservar os recursos
naturais. Segundo ele, há valores econômicos envolvidos – valores históricos,
culturais e estéticos – que não podem ser negligenciados.
“O mercado varia, os preços caem e as
crises acontecem. Há possibilidade de agregar valores à conservação da
biodiversidade, de forma que o processo evolutivo seja mantido da melhor
maneira possível. Nesse aspecto, as dimensões econômicas podem ser
interessantes. Mas, se não agregarem valores não-econômicos, serão incapazes de
garantir por si só a conservação da biodiversidade”, disse.