Como o consumo das espécies de atum no Japão é maior do que seus barcos são outorgados a pescar, os objetivos dessa indústria pesqueira passaram a incluir a cota de outros países (ou melhor, a comprar o atum que outros países pescam). Nessa hora, o Brasil apresentou um sócio de qualidades sem par. Apesar dos 8 mil quilômetros de litoral, o Brasil mas não possui uma cultura de pesca oceânica que o obrigue a obedecer quotas, apenas indicadores para pesca de atum (temos cotas apenas para o espadarte). Além do mais, o litoral do Rio Grande do Norte é estrategicamente localizado próximo a cardumes de espécies migratórias (como o atum) e o governo do estado apoia a atividade. O mercado brasileiro é um consumidor iniciante dessa espécie (em comparação com Japão, Estados Unidos e Espanha). Nossas embarcações são consideradas ultrapassadas e a técnica atrasada. É aí que chegam os emissários da Japan Tuna com uma proposta irrecusável.
Avaliação
O negócio tem críticos e defensores. Entre os que sentem contrariedade está José Dias Neto, analista ambiental do Ibama, que é mestre em desenvolvimento sustentável pela UnB e engenheiro de pesca. Ele tem bons argumentos: “Nunca na história dos arrendamentos para pesca, o governo brasileiro permitiu um processo tão absurdo”, afirma. E aponta aspectos incomuns nesse tipo de negócio: “A empresa arrendatária é recém criada, tem participação japonesa e não há exigência para que dois terços da tripulação sejam compostos por brasileiros”.
O ponto mais sensível, na visão de José Dias, é que os navios passam três meses em alto mar capturando atuns para depois transferi-los ao navio cargueiro japonês, atracado no Porto de Natal, sem que os pescados sejam desembarcados. “Pode ocorrer que não fiquemos sabendo nem quanto foi produzido e, por consequência, quanto exportamos. Isso para não falar do risco do preço subfaturado, pois o valor do atum é diferente de acordo com o tipo peixe”, considera. Os mais visados pela Atlântico Tuna são o albacora bandolim (Thunnus obesus), albacora laje (Thunnus albacares), albacora branca (Thunnus alalunga) e espadarte (Xiphias gladius).
Entre os defensores do acordo entre a gigante japonesa e a empresa potiguar, o mais ilustre é o professor Fábio Hazin, diretor do departamento de Engenharia de Pesca da Univesidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e, atualmente, presidente da ICCAT. Hazin, que detém um currículo acadêmico de fazer inveja a muito doutor, crê na joint venture como uma oportunidade para absorção de know-how, capacitação de profissionais, geração de empregos, renda, divisas, além fonte de alimentos para o Brasil. Segundo ele, “o negócio assegura ao setor pesqueiro nacional as oportunidades que ele precisa para se desenvolver, de forma sustentável e ambientalmente responsável”.
A professora Carolina Minte-Vera, do núcleo de pesquisas em limnologia, ictiologia e aquicultura do departamento de biologia da Universidade Estdual de Maringá, é uma das especialistas da ICCAT na área de avaliação de estoques pesqueiros. Carolina argumenta que o Brasil precisou aumentar sua participação na pesca de atuns. “Caso o país não pesque sua cota pode chegar a perdê-la para outro país”, argumenta. E segue o raciocino ao lembrar que não possuímos embarcações nacionais em quantidade suficiente e adequadas para a pescaria. “Desta forma, foi necessária a joint venture”.
O avanço da indústria nos estoques pesqueiros, pelos estudos da ICCAT, não será muito diferente do que já vem ocorrendo, aponta o professor Paulo Travassos, cientista integrante do Comitê Permanente de Gestão de Atuns, do Ministério da Pesca e Aquicultura e, por dez anos, correspondente estatístico do Brasil junto à ICCAT. “Haverá um aumento substancial das capturas pelo Brasil (declaradas na ICCAT como brasileiras), mas vale lembrar que quase todos os barcos japoneses baseados em Natal já operavam no Atlântico e, portanto, não gerarão aumento da produção total das espécies neste oceano”, analisa.
Modernização
As embarcações arrendadas são descritas como tecnologicamente avançadas em comparação às similares atracadas nos portos do Rio Grande do Norte. Os novos atuneiros lançam espinhéis a até 400 metros de profundidade (o espinhel é um fio longo que prende outros fios curtos com anzóis nas extremidades). Os concorrentes nacionais operam a até 80 metros abaixo da lâmina d’água.
Outro aspecto destacado é a capacidade para o congelamento dos pescados na própria embarcação de pesca, a 60°C negativos. A temperatura permite manter o peixe por até um ano, permitindo a escolha do melhor momento para a comercialização. Antes dessa tecnologia ao alcance dos pescadores brasileiros, a forma de manter os peixes congelados era resfriá-los por até 15 dias. São barcos com 60m de comprimento, com capacidade para permanecer três meses em alto mar e capturar 250 toneladas de peixe.
Na avaliação de Leandra, falta governança. O Ministério da Pesca e Aquicultura passou a ver apenas o aspecto desenvolvimentista, enquanto o Ministério do Meio Ambiente preocupa-se, sozinho, com a conservação. E para piorar, o ICCAT não tem sido um bom regulador. “O ICCAT não ouve seu próprio corpo técnico e seu histórico é de instituição política, sensível a pressões da indústria pesqueira”, afirma.
Para piorar, a indústria pesqueira nem sempre está nas páginas de economia. Por vezes, aparece nas denúncias sobre mau uso de recursos públicos. Em 2001, a Comissão Pastoral da Pesca e o Ministério Público Federal citaram o economista Gabriel Calzavara como possível envolvido no desvio de verba destinada ao financiamento de pequenas embarcações em Pernambuco e na Paraíba (como publicado nas revistas Época, IstoÉ e no Diário de Pernambuco). Gabriel Calzavara trabalhou como consultor, de 1995 a 1998. Em seguida, foi para o ministério da Agricultura ocupar o cargo de diretor da Pesca e Aquicultura (época em que não existia o Ministério da Pesca e Aquicultura). “Essas denúncias foram todas investigadas e nunca fui responsabilizado. São denúncias vazias. Ocorrem com qualquer pessoa que ocupe um cargo público”, rebate.
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