terça-feira, 18 de agosto de 2009

Um mar de doenças

Pesquisas mostram que areias de praias cariocas estão infestadas de microorganismos nocivos a saúde. Há riscos de infecções que podem atingir, olhos, pele, ouvidos e intestinos.
Ronaldo Soares
Língua Negra despeja esgoto na areia. Técnico coleta material para análise.
A beleza das praias do Rio de Janeiro é um dos bens mais preciosos de um vasto patrimônio natural que inspirou relatos extasiados dos primeiros europeus que navegavam ao longo de sua orla, e também, algumas das canções mais conhecidas da música popular brasileira. Apesar disso, o litoral cheio de curvas e emoldurado por montanhas que faz do Rio uma paisagem metropolitana única do mundo tornou-se a síntese de alguns dos mais graves problemas da cidade. Manchas de poluição do mar, favelas de onde descem o lixo e o esgoto, sujeira e assalto aos banhistas são alguns dos sinais da degradação da orla que se pode exergar a olho nu. É na areia, entretanto, que reside o grave problema de saúde pública, este só visível ao microscópio: as praias cariocas transformaram-se em um imenso criadouro de microorganismos causadores de doenças que atacam intestinos, olhos, peles e ouvidos. Pesquisa concluída no mês passado pelo microbiologista João Carlos Tártora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Gama Filho, mostrou alto índice de parasitas intestinais, bactérias e fungos nas praias cariocas. Nas areias do Leblon, por exemplo, o nível de coliformes fecais (que indica contaminação por esgoto) era de 5000 por 100 gramas de areia - o limite aceitável é de 400 coliformes fecais por 100 gramas de areia. Na praia do Leme, a situação é ainda mais assustadora: 88000 coliformes por 100 gramas de areia. "As pessoas só se preocupam com a qualidade da água nas praias. Mas dependendo do lugar, elas podemcorrer mais risco na areia do que na água", diz a bióloga Adriana Sotero do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da FioCruz.
Diversos fatores contribuem para a poluição das areias. Há as línguas negras, rastros de sujeiras observados na areia após chuvas torrenciais que acrregam lixo e esgoto para o mar; o lixo deixado pelos frequentadores que atrai animais transmissores de doenças como ratos e pombos; e o péssimo hábito dos banhistas de levar cachorro para as praias. Um monitoramento feito pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente mostra que em toda orla da Zona Sul as areias estão infestadas de parasitas que causam verminoses, como bicho geográfico, lombriga, solitária e oxiúro. Eles indicam a presença de feses de animais (como cães e pombos) no ambiente. Atualmente dos dezessete pontos de monitoramento do trecho de 27 quilômetros que vai do Lema até a Barra da Tijuca, em apenas três locais analisados a secretaria não faz restrições ao uso da areia. Nos demais, recomenda-se uma série de precausões, como não sentar sem antes forrar o chão com esteiras ou cangas, andar de chinelo e evitar que crianças levem à boca a mão suja de areia.
Para se desenvolver os microrganismos que infestam a praia precisam de ambiente úmido, longe do sal e de altas temperaturas. A forma mais eficiente de combatê-los é revirar a areia. Com a areação do ambiente e a exposição ao sol, os microrganismos não sobrevivem. Este trabalho é feito diariamente nas praias do Rio, por meio de varrição da areia ou com a ajuda de máquinas específicas para esse tipo de limpeza. Mas como persistem as línguas negras, o despejo de esgoto, os cachorros na praia e o lixo jogado no chão, a imundice continua ameaçando a saúde dos banhistas. Durante o verão, são recolhidas2600 toneladas de lixo por mês nas praias cariocas.
Num cenários desses, não é de estranhar que o Brasil não tenha nenhum representante entre as 3200 praias mais bem cuidadas do mundo. Elas fazem parte do programa Bandeira Azul, certificado de qualidade concedido anualmente por uma ONG que atua em mais de 50 países. A entidade analisa as condições dos balneários a partir de uma lista de 29 itens. Nas exigências quanto à saúde dos banhistas as normas são mais rigorosas que no Brasil. Pela qualificação da entidade, praias consideradas próprias para banho podem ter no máximo 100 unidades de bactéria causadora de diarreias (E.coli) a cada 100 mililitros de água. No Brasil, a tolerância a esse tipo de contaminação é oito vezes superior. Na lista das praias certificadas há países pobres ou em desenvolvimento como a República Dominicana, Marrocos, África do Sul e Tunísia. A África do Sul por exemplo, investiu em melhorias no saneamento básico e realizou campanhas de conscientização ambiental em áreas costeiras para ter 19 praias na lista das melhores do mundo. "Isso mostra que não é questão de ser desenvolvido ou ter muito dinheiro para melhorar as condições das praias", diz Marinez Scherer, coordenadora do Bandeira Azul no Brasil. Neste ano, cinco praias brasileiras tentarão obter o certificado da entidade. Nenhuma carioca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário