Novo esforço pode devolver
ararinha-azul à natureza
Celso
Calheiros - 12/06/12
O Al Wabra Wildlife Preservation, no Qatar, mantém 60 ararinhas. (Fonte: Divulgação)
O caminho de volta
da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) para a natureza é delicado e repleto de
obstáculos intermediários. A população total da espécie hoje é de 93 aves,
todas criadas em cativeiros, das quais 87 estão em instituições fora do Brasil.
No entanto, junto com as fundações estrangeiras que criam os espécimes em
cativeiro, o ICMBio articulou um plano para reintroduzir este psitacídeo ao seu
habitat, uma pequena faixa do Sertão que margeia o Rio São Francisco
Esses números
mostram a precariedade da situação da ararinha-azul. A ave está na lista
vermelha da IUCN é classificada, desde 1994, como criticamente em perigo
de extinção. O plano para seu o retorno à natureza é rico em
detalhes, etapas preparatórias e missões para as instituições mantenedoras além
da simples cessão de exemplares da espécie.
A Al Wabra
Wildlife Preservation (AWWP), do Qatar, é um dos parceiros críticos. Entre as 5
instituições mantenedoras das 80 aves disponíveis para o programa (13
indivíduos estão, hoje, na Suíça e não participarão) possui 60 indivíduos, de
longe o maior número reunido de ararinhas-azul. Outro ponto a favor do projeto
foi o ingresso de um parceiro de peso. A Vale agora integra o grupo
composto pela a SAVE Brasil, ICMBio e Al Wabra.
A chegada da Vale
no projeto é comemorada pelo coordenador de manejo para conservação de espécies
ameaçadas do ICMBio, Ugo Vercillo. Ele diz que a parceria é a nova filosofia
que o ICMBio procura implantar. “O governo sozinho faz pouco. Solitárias, a
sociedade organizada e as empresas também. Agora, se todos se juntam, as
capacidades são multiplicadas e grandes objetivos podem ser atingidos”, afirma.
A diretora de Meio Ambiente da Vale, Gleuza Jesué, destaca o projeto: “Temos
todo interesse em contribuir para a pesquisa dessa espécie e a possível
reintrodução da mesma em seu ambiente natural”.
A Al Wabra, por
exemplo, abraçou a causa das ararinhas desde 2000. Ela possui conhecimento
adquirido por uma equipe composta de 2 curadores, 4 veterinários, 5 biólogos e
40 tratadores que trabalham perto da cidade de Al Shahaniyah, no Qatar. A
instituição é mantida pelo xeque Saoud bin Mohamed bin Ali Al-Thani, que herdou
a coleção do seu pai, o xeque Saoud.
O Al Wabra Wildlife Preservation, no Qatar, mantém 60 ararinhas. (Fonte: Divulgação)
Além da área de
2,5km2 na sede, dedicados a manutenção de 1.955 animais de 90 espécies, a Al
Wabra adquiriu a fazenda Concórdia, em Curará, Bahia, local onde foi encontrado
o ninho da última ararinha-azul na natureza, em 2000. A fazenda possui 2.380
hectares e poderá se transformar em reserva particular.
Este ano, os biólogos da Al Wabra avançaram na técnica da inseminação
artificial sistemática, com apoio da Universidade de Giessen, na Alemanha, e da Parrot
Reproduction Consulting, consultoria em reprodução de papagaios que desenvolveu
a técnica para a universidade em conjunto com os veterinários e ornitólogos da
Al Wabra. Como resultado, 5 filhotes nasceram. “Estão sendo criados à mão”,
conta a bióloga da Al Wabra, Monalyssa Camandaroba. A pesquisadora diz que a
prioridade número um é o aumento da população em cativeiro, para possibilitar o
sucesso do programa de reintrodução no Brasil. “A Al Wabra está pronta para
desempenhar um papel importante para alcançar esse objetivo”, garante.
No período
reprodutivo do próximo ano, espera-se uma maior quantidade de ovos
fertilizados. As fêmeas sem macho vão ser estimuladas por machos estéreis de outras
espécies, como Ara severa ou Orthopsittaca manilata, para, em seguida, seus
ovos serem inseminados com esperma de ararinha-azul. “Não temos como assegurar
o sucesso da reprodução assistida, mas vamos aumentar a quantidade de aves
estimuladas e ovos inseminados”, disse Monalyssa.
A ACTP, Association for the Conservation
of Threatened Parrots, mantém 7 ararinhas em cativeiro. Da esquerda para a
direita estão Felicitas, Frieda, Paula e Paul. (Foto: Patrick Pleul
/dpa/Zentralbild)
|
O manejo na
reprodução da ararinha-azul possibilitará combinações genéticas, para
estabelecer os melhores casais, aumentando a variabilidade dos genes. Outra
forma para alcançar o mesmo objetivo é induzir a fertilização de um ovo por
dois ou três machos distintos. Ambas as técnicas têm o intuito de melhorar a
herança genética desses animais. Vercillo relembra um conhecimento chave sobre
a sobrevivência das espécies. “Quanto maior a variabilidade genética, maior a
chance de a população sobreviver na natureza”.
Com a mesma
intenção, os biólogos da Al Wabra planejam criar um híbrido. Ele fortalecerá o
vigor genético das ararinhas-azul em cativeiro. A estratégia, esclarece
Monalyssa, é adotada em populações sob risco de extinção. A criação de um
filhote híbrido ajudou a melhorar a genética do mutum-de-Alagoas, ave da Mata
Atlântica nordestina também extinta na natureza. “Essa ação fortifica o quadro
genético”, explica.
No caso da
ararinha-azul, o híbrido é essencial, pois todas as que restam espalhadas pelo
mundo provêm de um único casal. Logo, a variabilidade genética das
sobreviventes é baixa. Nesse caso, a espécie que será usada para produzir o
híbrido é a maracanã-do-buriti (Orthopsittaca manilata).
A espécie é
bandeira da conservação, que desperta no grande público a necessidade de
mantermos nossa fauna, conta Pedro Develey, da Save Brasil. “A ararinha-azul é
como o urso panda ou os golfinhos”, compara. O filme de animação Rio, do
diretor brasileiro Carlos Saldanha, chamou a atenção para o tráfico internacional
de aves com as aventuras de Blu, a ararinha-azul solitária que foi levada
ilegalmente para os EUA. Com o anúncio de Rio 2, Develey quer contatar Saldanha
para aproximá-lo da causa e – por que não? – para o plano de reintrodução da
ave na natureza.
O objetivo principal é reintroduzir a
ararinha-azul no seu habitat, a Caatinga, bioma que também será beneficiado
pelo projeto. (Foto: Edson Ribeiro)
|
Develey conta que
proteger o habitat da ararinha-azul é uma estratégia para proteger todo o
bioma. “Estive na Caatinga e, sem grandes rigores, registramos cerca de 120
espécies de aves”, conta. O princípio de unir a salvação da ararinha-azul à
conservação da Caatinga é real e consta do sumário executivo do Plano de
Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-Azul. Prevê-se a criação de
unidades de conservação concomitantes ao retorno da ave à natureza. “Vamos
discutir com calma sobre essas unidades de conservação, mas podemos imaginar
que serão abertas ao público e podem se tornar um atrativo turístico para a
observação de pássaros”.
A Save tem vasta
experiência no estímulo à observação de aves. Um aspecto que chamou a atenção
do diretor da instituição é a boa qualidade do habitat da ararinha-azul. “A
Caatinga está toda lá, com todas suas ricas características, inclusive as
caraibeiras [tronco de árvore preferido pelas ararinhas]. Encontramos vários
outros psitacídeos, como as maracanãs e o papagaio-verdadeiro. Dói saber que
está faltando uma espécie, que deveria estar lá, se não fosse a ação dos
traficantes de animais silvestres”, diz Develey.
Acima,
mapa da localização do município de Caraça, habitat das ararinhas.
O habitat da
ararinha-azul é uma pequena faixa, em uma região quente e semiárida, com
precipitação anual na ordem dos 460 mm, concentrados nos meses de dezembro a
abril. Curaçá, Bahia, às margens do Rio São Francisco, é o município que tem
recebido mais atenções do plano de ação, mas há outros candidatos que também
margeiam o velho Chico, como Riacho da Vargem, Riacho Macururé e Riacho da
Brígida, esse último em Pernambuco.
O diretor de
Cultura do município de Curaça, Fernando Ferreira, explica que na cidade já
existe um ânimo favorável para o retorno desses ilustres ex-habitantes. “O
prefeito tanto explica para as comunidades mais afastadas a importância das
ararinhas, como também sonha com o movimento de turistas e pesquisadores,
interessados em vê-las de volta à natureza”, relata. Fernando Ferreira é também
autor da música Brincadeiras de arara, que serve de trilha musical para o vídeo
Ararinha na natureza, sobre o projeto, disponível no YouTube.
O projeto também
buscará medidas compensatórias de intervenções que causam impacto negativo. Um
exemplo são os linhões de transmissão de energia elétrica, apontados como
potencialmente perigosos para aves. Haverá uma articulação com a agência
ambiental baiana para garantir que novas licenças ambientais na região
considerem o trabalho.
Por fim, além de
oferecer um “lar” para esses psitacídeos de tamanho médio (o corpo da
ararinha-azul mede entre 55 cm e 57 cm), é preciso educar e incentivar o homem
simples a participar da conservação. O plano procurará envolver a comunidade e
fazê-la compreender os benefícios em jogo.
Antes da soltura
dos casais de ararinhas-azuis (entre 5 e 10 casais, nos cálculos dos
entusiastas do projeto), está previsto, antes, um teste: fazer o mesmo com
casais de maracanãs, espécie comum ao mesmo habitat, porém, que não estão em
risco de extinção. Investigados os resultados dessa experiência, provavelmente
em 2017, estarão cumpridas as etapas essenciais para a reintrodução da
ararinha-azul, espécie do sertão de beleza e graça tão raras que a cobiça
humana quase pôs-lhe um fim.
Mantenedores de
reprodução em cativeiro
|
Governo
Brasileiro
|
São Paulo,
Brasil
|
4
|
Fundação
Lymington
|
São Paulo,
Brasil
|
1
|
Fundação Loro
Parque
|
Tenerife,
Espanha
|
8
|
Al-Wabra
Wildlife Preservation
|
Sharharnia,
Qatar
|
60
|
Association for
the Conservation of Threatened Parrots
|
Schöneiche,
Alemanha
|
7
|
*A Suíça possui 13
ararinhas azuis que não estão no plano nacional de ararinha-azul na natureza
Fonte: http://www.oeco.org.br/reportagens/26094-novo-esforco-pode-devolver-ararinha-azul-a-natureza
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