domingo, 6 de dezembro de 2015
Cadê o Parque Municipal da Serra da Misericórdia?
Em 16 de dezembro de
2010 o Prefeito Eduardo Paes assinou
o Decreto 33.280 criando o
Parque Municipal Urbano da Serra da Misericórdia,
na região da Leopoldina, na Zona
Norte do Rio. Em 2012, o projeto recebeu um investimento R$15
milhões, dos quais cerca de R$11 milhões vieram da fundação socioambiental da
Caixa Econômica Federal. No entanto, foi descoberto recentemente que o projeto
foi abandonado e os fundos devolvidos.
Moradores e grupos
ambientais da Zona Norte estão exigindo a resposta da prefeitura, perguntando:
“Cadê o Parque Municipal da Serra da Misericórdia?“
Para mobilizar a
comunidade e atrair visibilidade para a questão, nos dias 1 e 2 de agosto, a
ONG Verdejar–um grupo
comunitário socioambiental responsável por grande parte do reflorestamento
da Serra, que opera no Complexo do Alemão desde
1997–organizou um dia de mutirão para plantio, uma caminhada, e uma tarde de
música e atividades educativas. Outras organizações da comunidade colaboraram
com o evento, incluindo o Centro de
Educação Multicultural (CEM), o Barraco 55, e o Instituto
Raízes em Movimento.
Serra da Misericórdia
A Serra da
Misericórdia é um maciço rochoso que mede 43,9 quilômetros situado na Zona
Norte do Rio de Janeiro. O nome Serra da Misericórdia está ligado a um conto
popular sobre a construção da Igreja icônica da Penha.
O desenvolvimento
urbano e industrial da região, no entanto, tem tido pouca misericórdia para com
a Serra da Misericórdia. O posicionamento único do maciço criou tensões entre a preservação ambiental, a urbanização, o crescimento do
Complexo do Alemão e atividades industriais.
Edson Gomes,
co-fundador do Verdejar, explica que, devido à sua localização, a Serra da
Misericórdia “ganha uma importância socioambiental muito estratégica na cidade
porque é a ultima área de Mata Atlântica em toda a Zona Norte da cidade”.
Localizado dentro da Área de Planejamento 3 (AP3)–uma
designação de planejamento urbano que está contida a Zona Norte, a zona mais
populosa do município com mais de 2,5 milhões de habitantes–a Serra da
Misericórdia é o último expansivo espaço verde na região, fazendo fronteira com
27 bairros.
Edson continua: “É exatamente onde você
tem uma série de direitos violados, inclusive o direito de ter um ambiente
saudável, garantido pela constituição e por várias convenções internacionais.
Esse direito no Brasil, como é o caso com vários outros, é desrespeitado. E não
é por falta de mobilização da sociedade, não é por falta de organização da
comunidade… Tem uma série de grupos que incorporaram a luta da Serra da
Misericórdia nas suas causas. Esse movimento é um resultado disso, é um
produto desse movimento a criação dessas leis. E aí a gente fica imaginando,
por que fazer isso? Por que o poder público não chega e quando chega não
reconhece o potencial ecológico-social dessa Serra?”.
Legislação e Brechas
2000: Área de Proteção Ambiental e
Recuperação Urbana
Em 2000, depois da
pressão do Verdejar, de colaboradores sociais e de movimentos
ambientalistas da região, o Decreto Municipal 19.144 designou a Serra da
Misericórdia uma Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU). Em
teoria, esta legislação introduziu um amplo quadro de proteções ambientais para
a área–incluindo “projetos e ações de recuperação ambiental… preservação e
ampliação da biodiversidade” – assim como metas de desenvolvimento urbano,
incluindo a promoção da “regularização (fundiária) das favelas existentes”, e o
desenvolvimento de “recreação, lazer e ecoturismo” , e a promoção do
“desenvolvimento de programas de educação ambiental” a fim de “melhorar a
qualidade de vida da população local”.
Um objetivo adicional
previsto pela legislação é de “promover a compatibilização entre o
aproveitamento do solo e a defesa do meio ambiente, mediante a revisão dos
parâmetros de uso e ocupação do solo”. Este objetivo se refere à presença de
pedreiras privadas localizadas dentro da Serra da Misericórdia.
A riqueza geológica
da área truoxe as empresas de mineração para desenvolverem pedreiras para
produção de concreto no início dos anos 40. Atualmente, três empresas continuam
a operar na região: o grupo francês Lafarge, a Sociedade Nacional de Engenharia
e Construção, e a Anhanguera.
O Verdejar está farto
das desculpas da prefeitura–primeiro jurídica, em seguida financeira–por não
ter feito valer a proteção ambiental e a implementação de atividades sociais e
educacionais na área. Edson especula que a prefeitura “deve estar buscando
atender outros interesses que não são os da população. E a gente pergunta, de
quem são esses interesses? Por que? Será por que a gente tem dentro da área uma
empresa multinacional chamada Lafarge, que é uma parceira da Odebrecht em
várias obras na cidade do Rio de Janeiro?”. Considerando o boom da construção
no Rio de Janeiro impulsionado pelos Jogos
Olímpicos de 2016, o interesse da prefeitura em manter os produtores
locais de cimento–reduzindo significativamente os custos de transporte–não é
nenhuma surpresa.
A continuidade destas
atividades industriais–desinibidas pela designação APARU na qual as pedreiras
operam protegidas por licenças ambientais concedidas pelo Instituto Estadual de
Ambiente (INEA)–representa um enorme obstáculo para os esforços de preservação
ambiental da Serra da Misericórdia.
Embora a designação
de APARU rendeu, na prática, pouca proteção ambiental, ter recebido este status
foi uma vitória celebrada pelo Verdejar. Edson disse: “Foi o primeiro decreto
que veio, não veio garantindo [a proteção], mas foi
o primeiro decreto que incluiu a Serra da
Misericórdia, categorizando a Serra da
Misericórdia como uma área protegida”.
2006: Parque Municipal da Serra da
Misericórdia
Em 2006, o prefeito
César Maia assinou o Decreto Municipal 27.469,
estabelecendo a Serra da Misericórdia como Parque Municipal. Isto significa que
a área está definida como parque natural, enfatizando a proteção ambiental, a
conservação, a educação, o estabelecimento de áreas dedicadas à visitação
pública e pesquisa, o projeto de reflorestamento e de atividades nativas de
proteção das espécies, a delimitação dos limites adequados da expansão urbana e
o aproveitamento do potencial da área para o estabelecimento do cultivo de
energia eólica.
Semelhante à
legislação de 2000, este novo decreto ofereceu o potencial para grandes avanços
nos esforços ambientais, mas estes efeitos foram limitados. Edson descreve esta
legislação como um processo não-participativo–a ideia do parque natural não foi
discutido com os movimentos sociais ou moradores da área. A insistência do
Verdejar em abrir a discussão para o público sobre os planos era indesejável
para as autoridades da prefeitura e do Estado. Edson descreve: “Esse decreto de
2006, nós acreditamos que ele é resultado da [nossa] luta, mas ele
surgiu descolado da luta porque foi criado do gabinete do então prefeito
César Maia que nunca dialogou com a gente. Historicamente, a Secretaria de Meio
Ambiente e todos do município e do Estado não vêem o Verdejar como parceiros,
porque a gente é contundente radical com a questão ética da nossa luta”.
O Verdejar têm
experimentado relações tensas com as autoridades da prefeitura ao longo dos
anos, talvez culminando em 2012, quando a sede da organização foi demolida pela Light. A demolição foi justificada
por planos para a construção de uma subestação elétrica, mas estes planos
nunca foram implementados.
2010: Parque Municipal Urbano da
Serra da Misericórdia, o Parque da Leopoldina
Em 2010, o prefeito
Eduardo Paes assinou o Decreto Municipal 33.280,
substituindo o decreto de 2006, transformando a Serra da Misericórdia em
Parque Municipal Urbano. Sob o pretexto de conservação ambiental e
desenvolvimento social, este novo decreto efetivamente despojou a Serra da
Misericórdia das proteções ambientais estabelecidos pela legislação de 2006 e
colocou a área sob a jurisdição da Fundação Municipal Parques e Jardins.
Edson explica: “A
gente está falando do quarto maior maciço da cidade. Têm centenas de nascentes,
e subdivide quatro das sub-bacias hidrográficas mais poluídas da Baia de
Guanabara. É o último fragmento de Mata Atlântica de toda a Zona Norte do Rio…
Então ele tem uma importância ecológica muito grande para ser considerado só um
parque urbano”.
Esta parte da
legislação surgiu no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), empenhado com investimentos em infraestrutura em
todo o país, e no Rio enfatizando infraestrutura em algumas grandes
favelas. Complementando os projetos do PAC (incluindo o teleférico do Complexo do Alemão) o renomado arquiteto
argentino Jorge Mario Jauregui projetou
o plano para o parque urbano municipal e uma série de corredores
urbanos-ecológicos para melhorar a integração de espaços verdes na paisagem das
favelas urbanas. No entanto, os eco planos de Jauregui foram abandonados:
a Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP)
afirmou que outras intervenções do PAC foram priorizadas.
Na perspectiva do
Verdejar, dada a preocupação com a conservação ambiental, a classificação da
Serra da Misericórdia como Parque Municipal Urbano sob o decreto de 2010 não é
o ideal. Porém, a legislação proposta promete novas oportunidades recreativas e
educativas.
No entanto, faltava o
financiamento para o projeto. Edson descreve que o Verdejar organizou “uma
série de mobilizações até que o Ministério do Meio Ambiente–através do Fundo
Socioambiental da Caixa–liberou para a prefeitura R$11 milhões. A prefeitura iria
colocar mais R$4 milhões dela exclusivamente para construir o Parque da Serra”.
O projeto, concebido
pelo Darsa Arquitetura e lançado como uma iniciativa pioneira do Morar
Carioca Verde—um ramo focado na sustentabilidade, do agora desmantelado programa de urbanização de
favelas Morar Carioca–planejou
a criação de centros de atividades sociais, incluindo seis quadras de esporte,
uma ciclovia, trilhas para escaladas, equipamentos recreativos e programas de
educação ambiental.
Os recursos para a construção do parque foram
garantidos durante a Rio+20 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, em 2012. Edson descreve: “A prefeitura não tinha mais desculpas.
Tem a lei, tem o projeto, tem o dinheiro, tem a população organizada, e qual é
a desculpe? Não tinha”.
Mas ao invés de
iniciar a construção do Parque da Leopoldina, a primeira ação da prefeitura
após assegurar o financiamento foi a de remover moradores da
Lagoinha–uma área do Complexo do Alemão com necessidades críticas de investimento
público em infraestrutura. O Verdejar questionou: “Que
parque é esse que em vez de garantir a preservação da Serra da Misericórdia
veio para oprimir as pessoas que já estavam oprimidas, que já estavam
vulnerabilizadas?”. Em resposta ao processo da tomada de decisão, não
transparente, para remover as famílias da Lagoinha, o Verdejar e outros atores
da sociedade civil pediram para criar um conselho consultivo de gestão para a
APARU Serra da Misericórdia. As autoridades da prefeitura não foram receptivas
e não há nenhuma manifestação de um contexto para um diálogo público.
Em uma carta datada 28 de março de 2014, o prefeito
Eduardo Paes e o Secretário Municipal de Habitação Pierre Batista escreveram
para o superintendente regional da Caixa Tarcisio Luiz Dalvi a afirmação que o
Parque Leopoldina não seria construído, justificando a promessa não cumprida,
de seis centros recreativos, com a criação de um solitário parque de ciclismo. O parque urbano local foi planejado
para ocupar 240 hectares; o parque de ciclismo ocupa um hectare.
Sendo assim, quinze
anos depois de ganhar a designação de Área de Proteção Ambiental e Recuperação
Urbana (APARU), nove anos depois da legislação para a criação de um parque ter
surgido pela primeira vez, cinco anos após o projeto ter sido concebido e, três
anos depois de receber o investimento público para implementar o projeto,
o Verdejar quer saber: Cadê o Parque Municipal da Serra da Misericórdia?
Clique
aqui para ver e participar da campanha do Verdejar.
Fonte: http://rioonwatch.org.br/?p=16172#prettyPhoto
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