quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Outros Muros


Por Cristovam Buarque

Esta semana, o mundo comemorou o 20º aniversário da derrubada do Muro de Berlim, símbolo da divisão entre países. Além de comemorar, devemos lembrar que construímos três outros muros.

O primeiro separa os pobres dos ricos, não importa o país em que vivam. Como um muro ou uma Cortina de Ouro que serpenteia pelo planeta, cortando cada país em duas partes.

De um lado, aqueles com recursos para estudar até o doutorado; de outro lado, os que não saem do analfabetismo ou, no máximo, chegam à 4ª série. Alguns têm acesso à saúde, outros são abandonados à doença e morte. Uns têm um sistema de saúde que lhes permite a esperança de chegar aos 80 anos; para os outros, a esperança de vida é de 39 anos apenas. De um lado da Cortina de Ouro, a renda per capita é de US$20 mil por ano, do outro lado, de US$500 por ano.

Esse é um muro tão brutal quanto o muro que separava a Alemanha em duas. Mas uma brutalidade que esquecemos, como se a derrubada do Muro de Berlim tivesse sido suficiente para construirmos um mundo sem muros. Mas esse não é o único muro que criamos. Ao contrário, temos diversos muros para manter a separação entre um lado e outro da sociedade.

O segundo muro separa a atual geração das futuras gerações. É o muro que decorre da destruição ecológica. Até aqui, as gerações seguintes tinham certeza de uma vida melhor que a de seus pais. Este não é mais o caso, porque o muro da ecologia separa os que hoje têm acesso a uma agricultura que produz mais do que o necessário para alimentar todas as pessoas da atualidade daqueles que, num futuro breve, terão uma agricultura desarticulada, incapaz de alimentar a população; daqueles que viverão o risco da elevação do nível do mar invadindo o litoral e inundando as casas. Que nos separa de nossos filhos e netos. Esse muro separa as gerações fazendo com que possamos usufruir de uma diversidade biológica a que os próximos seres humanos não terão direito, porque desaparecerá por causa do aquecimento global.

O mundo que há 20 anos tinha uma Cortina de Ferro e um Muro de Berlim, hoje, tem uma Cortina de Ouro separando pobres e ricos, e outra separando a geração atual das gerações futuras. É a civilização dos muros nas fronteiras entre países, muros dos condomínios fechados e dos shoppings centers, dos hospitais de qualidade, das boas escolas.

Uma terceira cortina faz com que, de um lado, estejam aqueles que se acostumaram à vida no mundo digital, que convivem com os chips, e do outro estão aqueles que têm apenas as mãos, sem conhecimento necessário para lidar com as tecnologias do tempo atual.

Hoje o mundo está mais dividido do que estava há 20 anos, quando o Muro de Berlim ainda estava de pé.

Precisamos dar um salto para irmos além do que foi feito 20 anos atrás, e derrubarmos os muros que continuam impedindo a humanidade de viver a decência da mesma oportunidade entre as classes sociais atuais e as gerações futuras.

Antes, o debate era para saber como um lado derrubaria o muro destruindo o sistema social e econômico que estava do outro lado, espalhando o do vencedor. Agora, o desafio é como construir um mundo sem muros. O Brasil tem todos esses muros, mas tem os recursos necessários para construir um país sem muros.

Alguns países não têm necessidade de derrubar os muros, outros não têm condições de derrubá-los. O Brasil tem a necessidade e as condições. Além disso, temos uma massa crítica de intelectuais e políticos capazes de entender esse problema, e liderarem as mudanças necessárias.

Fonte: Artigo publicado no Jornal do Commercio de sexta-feira, 13 de novembro de 2009.

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