Por Duda Menegassi
Depois de 20 anos, programa de despoluição da Baía de Guanabara só atingiu 25% de tratamento. Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
Faltando
um mês para as Olimpíadas, todos os olhos se voltam para o Rio de Janeiro,
palco dos Jogos e um dos cartões-postais do evento é a Baía de Guanabara que
continua poluída após anos de promessas e metas. Jornalista ambiental há 10
anos, Emanuel Alencar lançou, no último dia 23, o livro “Baía de Guanabara –
Descaso e Resistência”, através do qual fala sobre o Programa de Despoluição da
Baía de Guanabara (PDBG), criado há 20 anos, sem conseguir cumprir seu
objetivo, e explica os desafios e caminhos para despoluição. O livro é parte de
uma iniciativa da Fundação Alemã Heinrich Böll, em parceria com a editora
Mórula, para investigar o Rio Olímpico.
Para Emanuel, os holofotes trazidos pelos Jogos Olímpicos podem
ser um ponto de virada para a cidade, que ajude a colocar a baía de novo na
roda de discussões e permita repensar as soluções para alcançar a despoluição.
Segundo ele, é preciso investir na setorização do saneamento, na participação
popular e, principalmente, na transparência das ações: “Precisamos abrir a
caixa preta do saneamento do Rio de Janeiro”.
Leia a entrevista de ((o))eco com
o autor:
Emanuel Alencar. Foto: Custodio Coimbra
((o))eco:
Como foi o processo de pesquisa para escrever o livro?
Emanuel: Eu
trabalhei entre 2007 e 2015 como repórter de O Globo cobrindo cidade e meio
ambiente, mais voltado para o estado do Rio, e a Baía de Guanabara já era
objeto de várias de minhas matérias. Era um tema que me interessava e não parti
do zero, já tinha alguma apuração prévia feita, muita coisa que não saía nas
matérias, ou porque não dava espaço ou porque o jornal não se interessava em ir
muito além no assunto. Uma amiga minha conhecia o pessoal dessa Fundação Alemã
Heinrich Böll, que é financiada pelo Partido Verde alemão, e me indicou para
eles, porque eles queriam fazer uma série de trabalhos sobre o Rio de Janeiro,
para construir um dossiê, disponível na web, em função dos Jogos Olímpicos. E
eles queriam uma publicação atualizada sobre a Baía de Guanabara para discutir
porque a baía ainda é tão suja depois de duas décadas do Programa de Despoluição
da Baía de Guanabara (PDBG). Além do que eu já tinha apurado, fiz uma pesquisa
em mais de 30 documentos, artigos científicos e relatórios, e entrevistas, por
exemplo, com o coordenador do PDBG e com o gestor do PSAM [Programa de
Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara], programa
que está em vigor desde 2012 e que de alguma forma foi o sucessor do PDBG,
embora tenha objetivos e atue em áreas diferentes. Demorei mais ou menos seis
meses para escrever e a Fundação acrescentou informações e um infográfico sobre
a situação de várias outras baías ao redor do mundo.
Os
Jogos Olímpicos estão chegando e as promessas com relação à despoluição da Baía
de Guanabara não foram cumpridas. Por quê?
"Consegui
cálculos de engenheiros e estimativas do próprio PSAM que apontam que o índice
de tratamento de esgoto na baía hoje está na ordem de 25 a 35%, não passa
disso. Como falar em despoluir 80%? Não tem qualquer pé na realidade"
Para
falar em despoluição é necessário avançar no tratamento do esgoto doméstico, o
principal passivo ambiental. O PDBG nasceu com uma promessa inalcançável, pois
mesmo que fosse todo implementado, com os recursos bem aplicados, não seria
capaz de despoluir a Baía de Guanabara; tendo em vista que mais de um milhão e
meio de pessoas sequer têm tratamento de esgoto em suas casas na bacia da
Guanabara, um passivo muito maior que não se resolveria nem com um nem dois
bilhões de dólares. O Axel Grael, que é vice-prefeito de Niterói e tem um olhar
de ambientalista, estima que sejam necessários cerca de 5 bilhões de dólares
para resolver o problema de saneamento da baía. E durante muito tempo a
sociedade recebeu a informação de que a gente conseguiria despoluir a Baía de
Guanabara aplicando apenas um dinheiro da ordem de um ou dois bilhões.
Infelizmente, a sociedade acreditou e isso resultou num enorme descrédito na
possibilidade de que a baía possa ser despoluída.
Falar
em despoluição da baía em um prazo inferior a 25, 30 anos, é impossível. O fato
do governo já ter abandonado o discurso de que seria possível a curto prazo
recuperar a Baía de Guanabara é um ponto positivo, mas demorou para acontecer.
O governo continua errando muito na divulgação dessa meta olímpica de 80% do
tratamento dos esgotos. O governo do Sérgio Cabral, na época, insistiu muito
nessa meta, dizendo que era viável. No livro, eu consegui cálculos de
engenheiros e estimativas do próprio PSAM que apontam que o índice de
tratamento de esgoto na baía hoje está na ordem de 25 a 35%, não passa disso.
Como falar em despoluir 80%? Não tem qualquer pé na realidade.
Na
sua opinião, qual o caminho para a despoluição e quais os maiores desafios para
se chegar lá?
Existem
algumas questões importantes para você conseguir caminhar com a despoluição. A
primeira é a transparência. Não caminharemos enquanto as metas não forem
auditadas, enquanto a CEDAE não for efetivamente regulada pela AGENERSA
[Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de
Janeiro], algo que embora, oficialmente, tenha acontecido no ano passado, na
prática ainda não ocorre. Não há um website onde a população possa acompanhar
em tempo real o andamento das obras, como acontece na Baía de Chesapeake, onde
a Universidade de Maryland acompanha as metas e o programa de despoluição desde
seu começo, em 1983. A transparência é um ponto central para acabar com a falta
do controle social e da participação pública. É preciso abrir a caixa preta do
saneamento do Rio de Janeiro.
Outra
questão que eu destaco é a setorização. O governo do Estado deveria apostar em
obras por setor e abandonar essa ideia das grandes intervenções faraônicas e
megalômanas. Temos o péssimo hábito de querer fazer tudo gigantesco, como a ETE
Alegria, que deveria tratar 7mil litros por segundo, mas não trata nem 2 mil,
pois falta tubulação ligando às casas das pessoas. Hoje as estações de
tratamento de esgoto no entorno da Baía de Guanabara estão com aproximadamente
metade das capacidades projetadas, mas infelizmente ainda há muitos bairros e
casas com tratamento quase nulo de esgoto. É preciso tratar esgoto de região
por região, bairro por bairro, pensar em sub-bacia por sub-bacia. Não adianta
você querer dar conta de toda a bacia da Guanabara, onde vivem oito milhões de
pessoas, e esquecer bairros e localidades menores, porque se você não for de
pouquinho a pouquinho, jamais vai conseguir alcançar o todo.
Qual
sua expectativa para o livro e para sua repercussão em tempos pré-Olímpicos?
O
lançamento do livro foi no dia 23 de junho, no IAB [Instituto de Arquitetos do
Brasil], e me surpreendeu bastante, pois mais de 200 pessoas compareceram e
foram mais de 150 exemplares vendidos, algo raro para um livro com uma temática
específica e um autor desconhecido. A mídia internacional está com os holofotes
na Baía de Guanabara, mais do que a nossa mídia local. Eles querem saber se há
algum risco para os velejadores, como está a situação da raia da competição
olímpica e eles não entendem porque o esgoto ainda cai na Marina da Glória.
Para eles é muito difícil entender como a gente gastou mais de um bilhão de
dólares e a baía continua muito poluída. No livro eu tento deixar claro que a
despoluição das baías não é algo simples, mesmo aquelas tidas como casos de
sucesso como a Baía de Chesapeake, em Maryland, nos Estados Unidos, a baía de
Sidney e a baía de Tóquio, ainda enfrentam algum tipo de poluição, mesmo depois
de muitos anos de programa.
De
que forma você vê a influência dos Jogos Olímpicos para a despoluição da baía?
"Falta um
modelo de authority, como existe lá fora, onde há um gerente eleito pela
sociedade com tempo de gestão definido e transparência das ações para reunir
todos os assuntos relacionados à baía de Guanabara"
Embora
não tenhamos cumprido a meta – e jamais cumpriríamos, porque a meta era
impossível - acho que os Jogos Olímpicos estão ajudando a colocar o assunto de
volta na roda. Para repensar e que seja um ponto de virada para a baía para
que, daqui para frente, já tendo cometido tantos erros nas últimas décadas, a
gente consiga pelo menos não os cometer mais. Tornar as informações mais
transparentes, envolver a sociedade civil. A promessa do governo é colocar
todas as informações disponíveis sobre o andamento dos programas de saneamento
na baía em um website, mapear as principais fontes de poluição, os aterros e os
lixões em torno da baía. Acho que as Olimpíadas trazem um holofote que pode ser
um marco para caminharmos, desde que haja interesse político, que os governos
não cometam mais erros de divulgação e comunicação e que os recursos sejam
propriamente aplicados na despoluição. Nós temos órgãos de fiscalização cada
vez mais atuantes, mas no caso específico do saneamento no Rio parece que as
coisas são mais difíceis do que nas outras áreas.
Você ressalta no livro o uso da Baía de Guanabara como
“estacionamento” de navios e plataformas do setor petroleiro. Na sua opinião
por que esse aspecto da poluição da baía ainda não é discutido pela mídia ou
pelos órgãos ambientais?
A baía de Guanabara reúne uma série de órgãos, cada um
responsável por uma coisa. Se você tem uma mancha de óleo, a Marinha deve ser
acionada; se tem derramamento de algum poluente de uma indústria na baía, o
INEA [Instituto Estadual do Ambiente]; e o lixo doméstico dos municípios é
responsabilidade das prefeituras. Tudo fica muito pulverizado e a comunicação
de vazamento de óleo desses navios fica prejudicada. Normalmente a imprensa não
tem sequer acesso ao que está acontecendo. São multi derramamentos pingadinhos
dia a dia que nem chegam nos ouvidos da mídia. A falta de uma autoridade única
para a baía, como ocorre em outras baías do mundo, impossibilita a
centralização das informações que garante uma resposta rápida em caso de dano
ambiental. Fica muito nas mãos da Marinha, da Capitania dos Portos e quando o
órgão ambiental fica sabendo já aconteceu e não tem como investigar. Falta um
modelo de authority, como existe
lá fora, onde há um gerente eleito pela sociedade com tempo de gestão definido
e transparência das ações para reunir todos os assuntos relacionados à baía de
Guanabara. Hoje cada um cuida do seu, ninguém dialoga, não há troca de
informações entre os diversos entes que atuam na baía.
Como que a experiência do dia a dia com o jornalismo ambiental
te ajudou na hora de achar uma linguagem para o livro? Que público você
pretende atingir?
Eu tive a ideia e o cuidado de evitar fazer um livro técnico ou
que fosse difícil de entender. O objetivo era fazer um conteúdo acessível a
todos, um livro-reportagem. Ele está bem didático, simples de ler, rápido, são
apenas 124 páginas, com bastante espaçamento e infográficos. A ideia era fazer
algo que se aproximasse do dia a dia das pessoas para mostrar que a baía é um
reflexo do nosso modo de vida e não algo distante das pessoas. O pessoal da
fundação que financiou o livro comprou exemplares para distribuir nas escolas
públicas, para fazer essa divulgação como material didático mesmo. Não tive a
presunção de fazer algo como o Elmo Amador, que escreveu dois volumes sobre a
Baía de Guanabara, o “Caraterísticas geoambientais, formação e ecossistemas” e
“Ocupação histórica e avaliação ambiental”, que compõem uma espécie de Bíblia
sobre a baía e, inclusive, me ajudaram a escrever várias partes do livro. Meu
objetivo maior era focar nos programas de despoluição e numa discussão sobre o
porquê da baía ainda estar tão poluída depois de aplicados esses recursos ou
previstas as aplicações. Trazer, portanto, um panorama geral e atualizado da
baía, sem deixar de destacar suas belezas. Também tive esse cuidado de dizer
que nem tudo está perdido, a baía ainda é bastante biodiversa e é única no
mundo, não só pela beleza, mas pela sua capacidade de regeneração – de 12 a 12
dias, 50% do volume de suas águas são renovados por completo. Ainda tem muita
vida na baía.
Como você vê a agenda política do Rio de Janeiro em relação aos
assuntos ambientais?
Capa do livro
Ainda estamos muito atrasados, principalmente na participação popular nas discussões ambientais. Vejo poucos canais de diálogo, vejo o INEA e a Secretaria do Ambiente tomando algumas decisões importantes dentro de gabinetes a portas fechadas, e infelizmente não tenho visto muitos avanços nisso. As audiências públicas muitas vezes acabam se perdendo em discussões estéreis, em denuncismos, um apontando dedo na cara do outro, com as questões importantes deixadas em segundo plano. A gente está muito atrás de estados como Santa Catarina e Paraná nesse protagonismo social nas discussões ambientais. O Rio precisa de um choque de transparência em meio ambiente, as pessoas às vezes não têm acesso às informações mais básicas. No Sudeste, o único estado em que não há uma regulação de fato da empresa estatal de saneamento é o Rio de Janeiro. Nos outros estados você têm agências funcionando melhor, com informações disponíveis na web sobre valor de tarifa, metas e andamento das obras. No Rio não, você ainda tem uma enorme zona cinzenta em relação aos temas ambientais.
Não faltam exemplos de situações em que o dinheiro foi mal aplicado e a sociedade ficou de fora disso. A UTR (Unidade de Tratamento de Rio), por exemplo, que tem como objetivo ser um paliativo para tratar o esgoto no leito do rio depois que sai da casa das pessoas. A Petrobras construiu uma UTR no Rio Irajá, com dinheiro de contrapartida ambiental, por 40 milhões de reais. Só que essa UTR jamais funcionou. Está lá parada porque a prefeitura diz não ter dinheiro e não concorda com a construção da nova UTR, porque é um paliativo que não resolve o problema. Então a estação está parada, depois de terem sido gastos 40 milhões de reais para construí-la em 2013/2014. E ninguém nem sabe disso.
Curiosamente, o Rio de Janeiro que tem a Baía de Guanabara e as belezas naturais como maior ativo, não mobiliza as pessoas em prol disso. Em qualquer outro lugar do mundo, seria um escândalo você gastar 40 milhões numa estação e ela ficar parada porque não se sabe quem vai operar. Seria compreensível questionar se deveria ou não ter sido construída, mas, uma vez pronta, não faz sentido deixá-la parada. E essa meta olímpica de 80% veio muito por conta da previsão de construção destas UTR’s. Foram previstas seis na Baía de Guanabara, foi construída apenas uma e que não opera.
Quais os desafios do jornalismo ambiental e de que forma ele pode influenciar as decisões da esfera política?
O jornalismo ambiental tem, nos últimos anos, conseguido um espaço e se fortalecido com iniciativas como o Projeto Colabora e o próprio ((o))eco, que é um resistente. É um jornalismo muito movido pela paixão dos seus colaboradores e integrantes. Muitas vezes os próprios pesquisadores, biólogos, engenheiros ambientais, acabam entrando nessa rede, e fortalecendo-a, o que se reflete em reportagens muito bem-feitas, que contribuem para discussão. Mas eu sinto falta de iniciativas do jornalismo ambiental para captar o leitor que não está muito ligado nesses assuntos, ou porque acha que é complicado, ou que é uma bobagem, menos importante que os outros assuntos. É preciso tentar se aproximar desse leitor com uma linguagem mais fácil, um texto mais enxuto, elementos gráficos. Eu sinto que às vezes o jornalista ambiental escreve para si mesmo ou para os próprios amigos que já conhecem o assunto. Precisamos caminhar, e eu me incluo nesse grupo, por um jornalismo que se proponha a atingir cada vez mais pessoas sem comprometer a qualidade, e esse é o desafio, porque é preciso fazer com que as pessoas entendam que é um assunto que diz respeito a elas. Quem mora em Mesquita, na Baixada Fluminense, e não tem saneamento, está contribuindo para a poluição da Baía de Guanabara, assim como quem mora aqui no bairro da Glória e eventualmente joga seu esgoto fora da rede da CEDAE. A Baía de Guanabara é um problema de todos nós, moradores da região metropolitana.
Por exemplo, eu recebi uma informação em off de que o pessoal da Marinha, ali na Ilha das Cobras, no Centro do Rio, estava jogando esgoto na baía e fiz uma matéria sobre isso. E é muito legal quando a informação, que estava fechadinha dentro de uma pasta, vai a público e isso força a resolução dos problemas. O Globo tinha muito peso nisso. Quando sai na mídia os políticos se sentem pressionados a resolver rápido e eu recebi a informação de que a Marinha já fez a ligação com a CEDAE e o esgoto deles agora está indo para ETE [Estação de Tratamento de Esgoto] de Alegria. Menos um poluidor na baía. Essa história está no livro e ajuda a mostrar que é muito fácil só culpar a CEDAE, o governo e as empresas, mas cada um de nós cidadãos que não cobramos as práticas sustentáveis das empresas e dos órgãos públicos somos culpados também. Não há um culpado único nessa história.
Serviço:
Baía de Guanabara -- Descaso e Resistência
Editora Mórula, 124 páginas
Preço: R$35 (à venda em livrarias e através do site www.morula.com.br)
Fonte: http://www.oeco.org.br/reportagens/baia-de-guanabara-livro-reportagem-investiga-fracasso-na-despoluicao/
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